Título: Oportunidade perdida
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2006, Notas e Informações, p. A3

A convenção do PSDB que homologou a candidatura do ex-governador paulista Geraldo Alckmin ao Palácio do Planalto, domingo, em Belo Horizonte, foi uma decepção para todos quantos esperavam que o partido, superadas as quizílias internas dos últimos meses, se mostrasse galvanizado em torno de seu escolhido; que este enfim dissesse a que viria; e, sobretudo, que o fizesse de maneira audível. Para pequena parcela da opinião pública que há de lhe ter dado alguma atenção, nesses dias de Copa do Mundo, o que ficou do evento foi a imagem de um partido fracionado e de um candidato com um grave déficit de comunicabilidade, como dizem os tecnocratas do ramo.

É um segredo de polichinelo que a grande maioria dos tucanos considera extremamente remota a hipótese de ocorrer uma reviravolta no cenário da sucessão capaz de pôr em xeque o favoritismo do presidente Lula e levar a disputa para o segundo turno - essa "outra eleição" de que gostam de falar os políticos menos cotados para vencer a primeira. Lula, afinal - e talvez fosse esse o melhor enfoque de um discurso de Alckmin -, está em campanha há três anos e meio, usando nela todos os recursos que lhe propicia a Presidência da República, repetindo à exaustão, a fórmula da "reinvenção do Brasil", ressaltando o que se fez de positivo e jogando sob o tapete as malfeitorias que seu governo patrocinou ou permitiu que acontecessem. Com isso e mais o aumento do poder de consumo das camadas mais pobres da população, é apenas normal que ele tenha uma confortável vantagem sobre seu principal concorrente. Agora, quando alguns dos principais líderes do partido de Alckmin só faltam reconhecer em público que a sua candidatura já nasce derrotada, a coisa muda de figura.

Não foi a mídia que inventou, por exemplo, a disputa que desde já antepõe o governador mineiro Aécio Neves e o ex-prefeito paulistano José Serra pela candidatura tucana ao Planalto daqui a quatro anos. Um goza de tais índices de popularidade que a sua recondução ao Palácio da Liberdade - com pencas de votos petistas - já deixou de ser assunto no Estado. O outro está para a eleição em São Paulo como Lula para o pleito nacional. E objetivamente falando a nenhum dos dois interessa um eventual triunfo de Alckmin.

Nesse contexto desalentador, a cúpula tucana tomou a infeliz decisão de induzir o candidato a ler durante uma hora um discurso de 19 páginas destinado a mostrar que ele possui "substância e conteúdo", como argumentou o ex-presidente Fernando Henrique. Ainda que o presidente que os tucanos adorariam sovar nas urnas não tivesse a metade do carisma, espontaneidade e sintonia fina com o público a que se dirige - mesmo quando diz as costumeiras barbaridades sobre a sua condição de predestinado -, o discurso-programa já teria sido um equívoco. Candidatos com aspirações de vitória não lêem discursos, não entediam as suas platéias.

E, se a intenção da fala é apresentar um projeto de governo presumivelmente melhor do que o atual, isso não deve obrigar o candidato a falar um pouco de tudo, da reforma tributária à política externa, passando por educação e segurança. Teria sido muito mais eficaz lançar um punhado de idéias-força, em termos expressivos, e mostrar, com a devida brevidade, como tudo o mais se concatenaria com elas. O argumento defensivo dos hierarcas tucanos de que Alckmin se dirigia a rigor ao público externo e não às pessoas levadas ao local da convenção não se sustenta. Pela simples razão de que, dada a extensão do texto, os jornais só deram a íntegra nas edições online. E os resumos impressos não eram propriamente chamarizes para a leitura do todo na internet.

Esse erro estratégico de comunicação é aparentado a outro: a reiterada convicção de Alckmin de que a campanha apenas começa para valer com o horário de propaganda eleitoral, a partir de 15 de agosto. É certo que essa é a etapa decisiva da disputa. Mas o candidato que espera que ela decida a seu favor deve entrar muito antes disso em um campo bem demarcado, para construir, com a argamassa de seu partido e dos seus aliados na sociedade, a plataforma de lançamento de sua imagem. Ou seja, fazer-se conhecido, levado a sério como alternativa política - e, se possível, estimado - pelas parcelas mais influentes do eleitorado. Nesse sentido, para Alckmin, a convenção foi uma oportunidade perdida. Pela flacidez política do ato e pela opacidade da mensagem do candidato.