Título: A alternativa americana
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2006, Notas e Informações, p. A3

A integração comercial do Hemisfério poderá avançar mesmo sem a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), mas o Brasil se arrisca a perder também essa oportunidade. Uma nova estratégia poderá ser lançada pelo governo americano, segundo fontes governamentais dos Estados Unidos e do México ouvidas pelo correspondente do Estado em Washington, Paulo Sotero.

A solução será criar vínculos entre os vários acordos bilaterais e regionais concluídos por países das Américas. Seria formada, assim, uma teia de integração de pactos comerciais celebrados, até agora, de forma separada.

Os Estados Unidos já têm acordos com vários parceiros do Hemisfério. Participam do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), juntamente com México e Canadá. É esta a experiência de integração regional mais consolidada do Hemisfério.

Os Estados Unidos também formaram o Cafta, em associação com países da América Central e a República Dominicana. Têm um pacto de livre comércio com o Chile. Firmaram acordos, ainda não sancionados pelo Congresso, com Peru e Colômbia, e continuam negociando com o Panamá. O Equador continua na fila e há outros interessados em negociações comerciais com a maior potência econômica do mundo.

Se o Congresso aprovar os acordos com Peru e Colômbia, o Executivo terá maior segurança para cuidar do novo plano. Há dois excelentes motivos para esse interesse.

Primeiro, é duvidosa a conclusão, neste ano ou na primeira metade do próximo, da negociação global de comércio, a Rodada Doha. Além disso, a conclusão da rodada, se ocorrer nesse prazo, ainda poderá ser frustrante. Uma possibilidade sempre lembrada é a busca de objetivos bem mais modestos que aqueles definidos em 2001 na conferência de Doha. De toda forma, o governo dos Estados Unidos cuidou, nos últimos anos, de buscar acordos em todo o mundo, com atenção especial a parceiros do Oriente Médio e do Pacífico.

Segundo, o projeto da Alca está emperrado e há pouca esperança, nesta altura, de repô-lo em movimento. A busca de acordos com países do Hemisfério foi uma forma de contornar os obstáculos.

Os próprios americanos contribuíram, em certa medida, para dificultar as negociações da Alca, a partir de 2004, mas a maior parte dos obstáculos foi criada pelo Mercosul, desde 2003, e principalmente pela diplomacia petista. No ano passado, os governos do Brasil e da Argentina fizeram o possível, na Cúpula das Américas, celebrada em Mar del Plata, para impedir a reativação dos trabalhos da Alca.

Tiveram a colaboração do governo venezuelano, dedicado, sob a direção do presidente Hugo Chávez, a um permanente confronto com os Estados Unidos. Partiu de Chávez a proposta de uma Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), aceita com demonstrações de entusiasmo, por enquanto, pelo presidente cubano, Fidel Castro, e pelo novo governante da Bolívia, Evo Morales.

O governo brasileiro, embora aceitando rasteiras diplomáticas de Chávez e de Morales e acomodando-se à liderança do presidente venezuelano, ainda não se manifestou a favor da Alba. Ajudou a promover, no entanto, o ingresso da Venezuela no Mercosul, entregando a Chávez o poder de vetar formalmente o reinício da negociação da Alca ou mesmo o início de conversações comerciais com os Estados Unidos.

O governo americano tem perfeito conhecimento dos impasses do Mercosul, agravados ultimamente pelo conflito entre Uruguai e Argentina sobre a instalação de fábricas à margem do Rio Uruguai. Todos conhecem, além disso, o interesse uruguaio num acordo comercial com os Estados Unidos. Os paraguaios, frustrados com o Mercosul, podem seguir o mesmo caminho.

Nenhum sócio do Mercosul pode firmar isoladamente um pacto de livre comércio com países de fora do bloco. Uruguai e Paraguai provavelmente abandonarão a união aduaneira, se tiverem chance de um acordo com os Estados Unidos. Nesse caso, ficarão amarrados ao bloco o Brasil e a Argentina, sob a liderança venezuelana.