Título: Força pró-Abbas ataca Parlamento
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2006, Internacional, p. A15

A luta de poder nos territórios palestinos atingiu ontem seu mais grave momento desde que o grupo radical islâmico Hamas assumiu o governo da Autoridade Palestina (AP), em fins de março. Centenas de militantes das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa (braço armado do partido laico Fatah) puseram fogo em dependências do Parlamento e nos escritórios do primeiro-ministro Ismail Haniye, do Hamas, em Ramallah, na Cisjordânia. Segundo correspondentes estrangeiros, os militantes das Brigadas saíram às ruas com membros da Segurança Preventiva, unidade subordinada ao presidente da AP, Mahmud Abbas.

Ninguém ficou ferido e os bombeiros logo apagaram as chamas, que danificaram o quarto andar do Parlamento. Usando máscaras, os atacantes quebraram móveis, computadores e outros equipamentos, antes de ser removidos pela polícia da AP. No Parlamento, eles entraram atirando e seqüestraram o deputado Khalil Rabei, do Hamas, solto pouco depois. A sede do governo em Ramallah estava vazia porque Haniye está confinado a Gaza, já que Israel não permite que membros do gabinete do Hamas residentes na Faixa de Gaza entrem na Cisjordânia. Em protesto contra a violência, o ministro do Turismo da AP, Joudeh Murqos, anunciou sua renúncia.

A violência em Ramallah irrompeu horas depois de militantes do Hamas terem atacado um edifício da Segurança Preventiva em Rafah, na Faixa de Gaza. Nesse confronto, duas pessoas morreram e pelo menos dez ficaram feridas.

Depois do ataque ao Parlamento, mais de 3 mil partidários do Hamas saíram às ruas de Gaza para protestar. "O que aconteceu em Ramallah é muito vergonhoso. Acho que o presidente não fez todos os esforços para impedir isso", disse o porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri. Os manifestantes entoaram slogans contra as forças de segurança de Abbas e o plano dele de realizar em julho um referendo sobre uma proposta que implica o reconhecimento de Israel. O plano do referendo agravou a crise política palestina, iniciada com a derrota da Fatah pelo Hamas nas eleições parlamentares de 25 de janeiro. Até então apenas a Fatah havia governado a AP. O Hamas passou, então, a comandar o governo enquanto Abbas, eleito em 2005, continua na presidência.

Fatah e Hamas são duas correntes antagônicas da causa palestina. A Fatah, facção laica que forma a base da Organização de Libertação da Palestina (OLP), assinou em 1993 os acordos de paz com Israel e busca criar a Palestina na Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental (a parte árabe da cidade) - territórios ocupados pelos israelenses em 1967. O Hamas não integra a OLP, não aceita a existência de Israel e tem como meta criar um Estado islâmico na maior parte da Palestina histórica, o que englobaria os territórios ocupados e todo Israel.

Pela lei palestina, o poder do presidente é maior que o do primeiro-ministro. Abbas controla as forças de segurança e pode destituir o primeiro-ministro.

Os conflitos entre governo e presidência aumentaram quando o Hamas criou, em abril, uma nova força de segurança, de 3 mil homens, sob controle de Haniye. Abbas ordenou a remoção dessa milícia das ruas, mas seus membros ainda patrulham algumas áreas. A idéia do referendo piorou o quadro. Abbas propôs a consulta com base no Plano dos Prisioneiros, documento acertado entre líderes do Hamas, da Fatah e de outros grupos presos em Israel. O plano defende a criação do Estado palestino na Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental. Na prática, é a aceitação da existência de Israel.

O Hamas classificou o referendo de um golpe para derrubar seu governo e pediu à população que o boicote. Alegando que a lei não dá a Abbas o poder de fazer a consulta, o grupo pretendia pôr em votação ontem no Parlamento uma moção declarando o referendo ilegal. No entanto, voltou atrás, alegando querer dialogar, e adiou a apresentação da moção para o dia 20. De qualquer modo, o Hamas não teria os dois terços de votos necessários para vetar a decisão de Abbas.