Título: A passo de tartaruga no mundo ameaçado
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2006, Espaço Aberto, p. A2

Como se previu (Estado, 12/5), as negociações encerradas no último dia 26 em Bonn, na Alemanha, no âmbito da Convenção do Clima e do Protocolo de Kyoto, quase nada avançaram, apesar das advertências de cientistas de que a situação no mundo é muito grave e precisa de inflexões drásticas, diante dos desastres já em curso e de novas ameaças. No "diálogo" entre 165 países signatários da convenção, o comunicado final afirmou que houve consenso quanto à necessidade de reduzir emissões que intensificam o efeito estufa. Mas que a redução "precisa de incentivos econômicos", tanto nos "países em desenvolvimento" como nos industrializados. Esse "diálogo" continuará na nova reunião das partes da convenção, em novembro, no Quênia, e prosseguirá em 2007. E é denominado "diálogo" porque os EUA (responsáveis por quase 25% das emissões) e a Austrália (a maior exportadora de carvão mineral, grande poluidor) se recusam a participar de qualquer reunião que trate de "negociações" ou de "compromissos e metas" para reduzir emissões.

Já na reunião dos países que homologaram o Protocolo de Kyoto (sem EUA e Austrália) - em que as nações industrializadas assumiram o compromisso de, até 2012, reduzir em 5,2%, sobre os níveis de 1990, suas emissões de gases poluentes -, afirmou o secretário Richard Kinley que foram estabelecidas "metas ambiciosas" (não especificou quais), com "sólida base científica", em direção "à redução de emissões pelos países industrializados nos próximos anos" (Kyoto esgota seu primeiro período em 2012). Segundo Kinley, os "países em desenvolvimento, que serão os mais atingidos pelas mudanças climáticas, estão pressionando por cortes maiores nas emissões" - embora não aceitem, eles mesmos, metas para reduzir suas emissões próprias, que em 2018 deverão ultrapassar as dos industrializados. As grandes ONGs se manifestaram aliviadas com que as negociações pelo menos prossigam em Nairóbi, sem dar o protocolo por encerrado em 2012. De qualquer forma, a previsão é de que as negociações irão pelo menos até 2008. Por ora, sem nenhum novo compromisso.

Parece evidente que cresce a tendência de apostar em novas tecnologias para reduzir emissões - e não em mudanças nas matrizes energéticas dos principais países poluidores, pois estes alegam que o custo econômico seria insuportável (cálculo que tem muitos refutadores com sólidos argumentos). Em Bonn, o subsecretário da convenção, Halldor Thorgeisson, disse que "os delegados estão animados com as perspectivas oferecidas pelas novas tecnologias, como a de seqüestro e estocagem de carbono". Como já se comentou aqui, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o órgão científico da convenção, já fez uma avaliação preliminar dessa tecnologia e disse que ela é viável, tecnicamente, mas custaria muito caro; e não respondeu aos questionamentos de geólogos e biólogos, segundo os quais os depósitos subterrâneos podem estar sujeitos a abalos e fissuras, enquanto os submarinos podem afetar gravemente a biodiversidade. Também não há resposta para a vulnerabilidade a vazamentos e sabotagens dos dutos de transporte a longa distância do carbono seqüestrado.

A aposta norte-americana é claramente nessa direção, inclusive porque permitiria não abandonar como fonte nem o petróleo, nem o carvão mineral (do qual o país tem reservas para 240 anos). Também investe em novas tecnologias para separar o hidrogênio e transformá-lo em combustível para veículos - caminho ainda em discussão pelos que o consideram antieconômico, já que consumiria mais energia do que permitiria criar. Os EUA começam a falar ainda no etanol, mas simultaneamente o governo Bush aposta na energia nuclear: acaba de ser destinado US$ 1,1 bilhão a incentivos governamentais para novos projetos nessa área. Bush também está pedindo ao Congresso que aprove o projeto para o depósito de lixo nuclear na Yucca Mountain, no Estado de Nevada, sob ataque de cientistas, ambientalistas e índios e embargado pela Justiça.

Parece evidente uma aposta em que as novas tecnologias determinarão o formato das matrizes energéticas no mundo. Quem as dominar terá hegemonia econômica, sem arcar com custos para reduzir emissões pelo caminho das metas do Protocolo de Kyoto. A Europa ainda segue proposta diferente, mas com hesitações claras de vários países, principalmente a Inglaterra (que agora encontra aliado no Canadá). Japão, China e Índia parecem alinhar-se com a busca norte-americana de tecnologias.

Pode ser um caminho temerário, porque continuam a reiterar-se os estudos sobre a gravidade das mudanças climáticas. Cientistas europeus e norte-americanos dizem nas Geophysical Research Letters que as previsões do IPCC para o aumento da temperatura terrestre neste século, a persistir o atual nível de emissão de poluentes, podem estar subestimadas, porque não incluem as emissões de dióxido de carbono pelo solo (se incluídas, a estimativa poderia subir 75%); já o British Antarctic Survey diz que as temperaturas na alta atmosfera também estão subindo, de 0,5 a 0,7 grau em 30 anos.

As pressões em favor de reduções imediatas crescem no mundo, inclusive nos EUA. Os riscos para a inação parecem inaceitáveis, quando se lembra a advertência da organização Christian Aid: 184 milhões de pessoas podem morrer nos países mais pobres até o fim deste século, em conseqüência de desastres climáticos - principalmente na África. Mas quem convencerá os EUA? E mesmo o Brasil, até quando se recusará a aceitar metas de redução proporcionais à sua contribuição para o aumento da temperatura terrestre, como ele mesmo já propôs há alguns anos - e não fala mais no assunto?

Washington Novaes é jornalista

E-mail: wlrnovaes@uol.com.br