Título: Uma aposta na seriedade
Autor: João Mellão Neto
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2006, Espaço Aberto, p. A2

Merecem aplausos o Congresso Nacional e a Justiça Eleitoral por sua inédita iniciativa de pôr um freio no abuso de poder econômico nas campanhas eleitorais. Brindes, outdoors, showmícios, tudo agora está terminantemente proibido, o que ajudará a nivelar candidatos ricos e pobres.

Eu, pessoalmente, sempre fiquei boquiaberto com as quantias que certos parlamentares investiam em suas candidaturas. Alguns nababos vaidosos, em troca de um mandato de deputado, despendiam valores da ordem de US$ 5 milhões (mais que R$ 10 milhões). Como, em sua maioria, eles não dispunham de nenhuma bandeira ou ideal, compensavam essa deficiência com mimos para os eleitores, promoção de megashows e até doação de cestas básicas e dinheiro em espécie. Se a Justiça Eleitoral realmente exercer uma firme fiscalização nas campanhas, tudo isso irá acabar. A pena é severa. A legislação prevê até mesmo a cassação dos mandatos assim obtidos.

"Todo o poder emana do povo", rezam todas as Constituições democráticas. É natural que assim seja. Ninguém se investe de poder sem ter sido chancelado nas urnas pelos eleitores. O Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas deveriam, em princípio, ter as suas cadeiras preenchidas por aqueles que, por suas idéias ou seu currículo, tenham logrado conquistar a confiança dos cidadãos. Pressupõe-se, aqui, uma meritocracia: os candidatos de maiores méritos serão, fatalmente, os escolhidos. Mas isso, no Brasil e em outras nações imaturas, não passa de balela. Os parlamentares nem sempre são eleitos em função de seus valores pessoais, e sim do volume de recursos que despendem em suas campanhas. Pelas quantias citadas acima se pode inferir que, para tais candidatos, cada voto custou mais de R$ 200. Isso não é voto consciente. Falemos português claro: o nome disso é suborno!

Se tudo correr de acordo com a lei, teremos, pela primeira vez na História, uma eleição em que o poder econômico não será preponderante. E os nossos Parlamentos, assim, se livrarão de muita gente que não tem o menor nível cultural ou moral para lá estar.

Embora tudo isso represente um enorme avanço para as instituições democráticas, ainda temos muito que caminhar. Grande parte do nosso povo ainda se deixa encantar por promessas irresponsáveis, discursos demagógicos e oradores histriônicos. O meu colega e mestre Roberto Campos costumava dizer, desiludido, que, em política, a linguagem que rende votos é o dialeto PAMG. Trata-se da abreviatura de prometer, acusar, mentir e gritar... Quem dominar melhor o PAMG é que tem maiores chances de se eleger...

Mas será que tem de ser sempre assim? A política há de, necessariamente, ser conduzida pelos demagogos e inconseqüentes?

Eu entendo que não. Há uma parcela significativa e crescente do eleitorado que vota de modo responsável e consciente. Há, sim, espaço para candidatos sérios e conseqüentes. E esse espaço será cada vez maior à medida que os eleitores, após sucessivas tentativas e erros, se forem desencantando dos charlatães políticos e dos pretensos salvadores da Pátria.

Se me coubesse aconselhar candidatos bem-intencionados e dotados de conteúdo, eu lhes sugeriria que não tentassem igualar-se aos demais e adotassem um novo tipo de abordagem. Há eleitores, sim - e não são poucos -, propensos a votar em candidatos que se proponham a fazer campanhas limpas, honestas, sinceras e sem ostentação. Esses eleitores têm características muito particulares. São dotados, em princípio, de grande senso crítico. Eles têm consciência de que dinheiro não cai do céu. Alguém há de pagar pelas campanhas milionárias. Se não for o candidato, do seu próprio bolso, há de ser, necessariamente, algum poderoso grupo econômico que pretenda eleger parlamentares para fazer uso deles, depois, na defesa de seus interesses, no mais das vezes, inconfessáveis. O Congresso e as Assembléias Legislativas estão repletos de parlamentares com tal perfil. Eles dedicam seus mandatos a fazer lobbies, junto ao governo, na defesa de privilégios e lucros espúrios para os seus financiadores. O eleitor esclarecido, por isso mesmo, recusa-se a votar em candidatos que fazem campanhas demasiadamente caras.

Esse tipo de eleitor tem outra característica muito marcante. Ele tem verdadeira ojeriza à demagogia e ao populismo. E não abre mão de ser respeitado. Para ele, promessas incumpríveis e irresponsáveis, longe de o encantarem, representam um verdadeiro insulto à sua inteligência e à sua capacidade de discernimento. Ele procura candidatos sérios, realistas, com idéias bem definidas e um currículo de vida coerente com a sua pregação.

A oratória e a retórica não o impressionam. Por mais inflamado e histriônico que seja o candidato, esse eleitor não se deixa seduzir. Por trás das palavras arrebatadas, ele busca, acima de tudo, a consistência e o conteúdo das idéias apregoadas.

Creiam, senhores, esses eleitores existem. Nas nações democraticamente maduras, eles são a maioria. E, por isso, os demagogos e aventureiros nelas não têm vez. Mesmo aqui, no Brasil, eles já são em número suficiente para eleger numerosos parlamentares. E, por quantas mais eleições o País passar, tantos mais eles serão. É por isso que acredito no futuro e na viabilidade de nossa Nação. Muitos deles, é verdade, de tão desiludidos, tencionam até anular seus votos. Não deveriam fazê-lo. É justamente nos momentos críticos que os eleitores sérios, esclarecidos, têm o dever de fazer ouvir a sua voz. Não devemos desdenhar da política, mas sim lutar para depurá-la.

Aqueles que têm nojo da política serão sempre governados por aqueles que não têm.

João Mellão Neto, jornalista, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado

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