Título: Condições para crescer
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2006, Notas e Informações, p. A3

A economia brasileira ganhou impulso, de novo, depois de um ano de estagnação, e produziu no primeiro trimestre 1,4% a mais do que no trimestre final de 2005. Esse ritmo de crescimento equivale a 5,7% ao ano. Se mantido até dezembro, seria o melhor desempenho econômico desde 1994, quando o Plano Real derrubou a inflação, melhorou subitamente a situação dos consumidores e criou condições para o Produto Interno Bruto (PIB) aumentar 5,9%. Mas não há tanto otimismo entre os especialistas. A maioria deles projeta para 2006 um crescimento entre 4% e 4,5% e esse resultado já será bastante razoável.

Condições para a reativação da economia vêm sendo reunidas há vários meses. Inflação em baixa e criação de empregos têm contribuído para o aumento da renda real dos trabalhadores. A expansão do crédito pessoal tem facilitado as compras de bens duráveis de consumo. Desde o trimestre final do ano passado, os gastos do governo têm crescido seguidamente e isso também tem contribuído para movimentar os negócios. Como complemento, os empresários voltaram a investir em máquinas e equipamentos, depois de alguns meses de muita cautela e retração.

A imprensa e os próprios técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ressaltaram a "contribuição negativa" do comércio exterior, pois a importação, nos primeiros três meses do ano, cresceu mais velozmente que a exportação. Mas esse dado estatístico mostra apenas um aspecto do quadro. Apesar de certa perda de impulso, atribuível à valorização do real, as vendas ao exterior continuaram vigorosas nos últimos meses. O saldo comercial permaneceu elevado, alcançando US$ 9,34 bilhões até março, período coberto pelos dados do IBGE, e US$ 15,46 bilhões até maio, segundo informou ontem o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

A exportação tem continuado, portanto, a movimentar o campo e as fábricas, contribuindo para a sustentação do emprego e a geração de poder de compra. É preciso não esquecer este fato, quando se examinam as contas nacionais.

Mas o descompasso entre o crescimento das vendas e o aumento das compras externas pode justificar alguma preocupação. Parte do investimento das empresas foi realizada com importação de máquinas e equipamentos.

Não há nada de negativo na importação, em princípio. Comprar de estrangeiros pode ser uma forma de beneficiar a economia nacional, facilitando a sua modernização e melhorando a oferta de produtos a empresas e consumidores. Mas os fatos ganham um colorido diferente, quando o produtor nacional perde poder de competição não por deficiência dentro da fábrica ou da fazenda, e sim por fatores estranhos à sua atividade. O efeito dos juros sobre o câmbio é um desses fatores.

Com o real fortemente valorizado, tornam-se mais evidentes outros problemas que não dependem da atuação do industrial e do agricultor, como as falhas da infra-estrutura e as desvantagens criadas por um sistema tributário de má qualidade.

O enfraquecimento do setor externo, ressaltado nos comentários sobre o PIB, mostra um problema bem mais grave que o assinalado pela maior parte dos analistas. Tributação excessiva e de baixa qualidade e desvantagens ligadas à infra-estrutura não prejudicam apenas o exportador. Todo o sistema produtivo é afetado por esses fatores. Na base desses problemas está o mau funcionamento do governo, propenso a aumentar continuamente a despesa pública e incapaz de gastar de forma produtiva o dinheiro arrecadado. A expansão contínua da carga tributária é um desdobramento desses desajustes.

O setor público já arrecada o equivalente a quase 40% do PIB para encher o poço cada vez mais fundo de seus gastos. Se essa tendência não for contida, e se a qualidade do gasto público não mudar, nunca haverá crescimento econômico duradouro no Brasil. Como poderão investir os empresários da indústria, dos serviços e do agronegócio, quando a carga tributária consumir 42% ou mais do valor da produção brasileira?

Lidos com atenção, os números do comércio exterior contêm um alerta não apenas sobre o setor externo. Mais que isso, apontam para desajustes capazes de entravar toda a economia brasileira, se não forem combatidos.