Título: Ausências que falam
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2006, Nacional, p. A6

A falta de rumo que assola a oposição, na quarta-feira produziu um momento exemplar: uma solenidade de apresentação da chapa Geraldo Alckmin-José Jorge sem a presença do grão-tucano Fernando Henrique Cardoso e dos dois políticos do PSDB mais bem posicionados nas eleições estaduais, José Serra, de São Paulo, e o governador Aécio Neves, de Minas Gerais.

As ausências suscitam dúvidas quanto ao objetivo da cerimônia, mas corroboram impressões outras em relação à competência eleitoral do grupo que sustenta o projeto de retomar o poder mediante a derrota do presidente da República em outubro.

Primeiro, e mais grave de tudo, denotam abandono ao candidato antes de a campanha começar. E, antes que reajam a proclamar a eficácia da luta quando ela realmente se iniciar, cumpre um lembrete sobre o papel essencial das aparências.

Se a finalidade era demonstrar força e unidade, o ato foi um fracasso; se não era nada disso, produziu-se um factóide de má qualidade, pois ficou com jeito, cheiro e cor de propaganda enganosa.

Cada uma daquelas ausências traduzia uma dificuldade: FH não foi porque os tucanos acham que ele atrapalha Alckmin e facilita o plano de Lula de comparar governos, Serra não estava porque não quer se envolver com a campanha nacional fora das fronteiras paulistas e Aécio ficou de fora porque prefere se preservar para o estritamente necessário.

Em relação aos dois tucanos candidatos a vencer no primeiro turno em seus respectivos Estados, ficou parecendo que não querem se associar a uma expectativa de derrota. Isso na hipótese da leitura otimista. Dizem tucanos e pefelistas menos afeitos a ambigüidades que a visão realista aponta para o desejo recôndito de ambos de que Alckmin não se eleja para não atrapalhar, com a reeleição, seus planos presidenciais para 2010.

No caso de Aécio, corre a boca nada pequena que ele aposta na reeleição com desempenho ruim. Do cenário de desolação, surgiria ele como a grande solução e ainda com o apoio do PT, com quem o mineiro jamais queimou suas pontes.

Talvez, sugerem os experientes, essa indiferença sumisse se Alckmin firmasse de público o compromisso de apoiar o fim da reeleição ou pelo menos se manifestasse satisfeito com um só mandato caso seja eleito. Mas, um dos poucos tucanos a considerar um acinte o PSDB inventar e desinventar a reeleição em menos de dez anos, Alckmin no máximo concorda em não mais criticar quem queira acabar com ela.

Temos, então, nessa resistência a dar o dito pelo não dito, um complicador no tocante a seus mais potentes aliados em matéria de patrimônio eleitoral. Restam outros fatores de complicação, sendo o principal deles a paralisia da oposição frente aos instrumentos de poder usados (e abusados) pelo presidente da República e que partidos como o PSDB e o PFL tão bem conhecem.

Persistem perplexos com a sem-cerimônia de Lula sem encontrar um caminho para reagir a ele. Como sabem perfeitamente o que pode um governo, parecem, de um lado, amedrontados de enfrentar o monstro em seu habitat - os beneficiados pelo assistencialismo - e, de outro, sem energia para firmar parceria com aquele eleitorado que não quer a reeleição, mas se vê compelido a ela por falta de opção.

Desse modo, a oposição não entra na seara do adversário para tentar dividir o eleitorado por medo de perder o pouco que tem e, ao mesmo tempo, deixa órfão aquele outro grupo que não sente nela firmeza e menos ainda percebe vontade de ganhar. Ora, se os políticos que são os donos da bola nesta altura agem como se o jogo estivesse perdido, não será o eleitor que vai se impor a obrigação de comparecer às pesquisas defendendo a honra da firma.

O candidato Geraldo Alckmin em seu otimismo quase solitário assegura que tem "um bom problema" em comparação ao adversário Luiz Inácio da Silva.

"Temos muitos palanques nos Estados, enquanto Lula não dispõe de sustentação partidária, é ele só", diz.

De fato, em termos partidários, o tucano está mais bem amparado: tem o PSDB, o PFL, parte do PMDB (na maioria dos Estados), o PPS, a parcela não governista do PTB comandada por Roberto Jefferson e ainda conta com a dispersão de votos em candidaturas de peso simbólico na opinião pública mais informada, como a de Heloísa Helena.

Lula fica com o PT em frangalhos, parte do PMDB, um PC do B e um PSB pouco expressivos. Mas tem a estrutura do governo e o eleitorado suscetível a seus instrumentos.

Em tese, numa eleição "casada" - onde se disputam mandatos de deputados estaduais, federais, senadores e governadores - as máquinas dos partidos e o empenho dos donos dos poderes locais contam e muito.

Mas de pouco adianta ter a estrutura partidária se ela não atua de forma organizada nem sabe para onde, com quem, e por que ir, se a cúpula que deveria ser dirigente nem aos próprios atos dá um rumo. Do jeito que está, a aliança da oposição por enquanto só tem tamanho. Atributo que, sabemos, não é documento.