Título: País rejeita oferta americana, mas a valoriza
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2006, Internacional, p. A14

Funcionários iranianos rejeitaram ontem uma oferta americana de conversações diretas - dizendo que nunca aceitarão a exigência de que suspendam, primeiro, todo o enriquecimento de urânio -, mas não puderam esconder sua satisfação com o fato de a oferta ter sido feita.

Quando o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, enviou no início de maio uma carta ao presidente americano, George W. Bush (na qual, entre outras coisas, declarava que a democracia liberal havia fracassado), a Casa Branca depreciou seu conteúdo como divagação - mas acabou reconhecendo que o gesto de comunicação de um presidente iraniano era digno de nota.

Agora o Irã se encontra numa posição similar - desprezou a oferta dos Estados Unidos, mas também a valorizou.

"Não negociaremos sobre os direitos nucleares naturais da nação iraniana, mas estamos preparados, dentro de um estrutura justa, definida e sem qualquer discriminação, para dialogar sobre preocupações comuns", disse ontem o ministro das Relações Exteriores iraniano, Manouchehr Mottaki.

Em meio aos embates diplomáticos, Irã e Estados Unidos sustentaram ambos a perspectiva de conversações diretas como um meio de superar 27 anos de desconfiança e ajudar a resolver a crise sobre as ambições nucleares do Irã.

Embora cada uma das duas iniciativas esteja carregada de termos e condições que o outro lado certamente considerará questionáveis, o próprio ato de estender a mão pode ser um passo pequeno, mas à frente, para uma solução, segundo analistas políticos iranianos.

Para o analista Said Leylaz, de Teerã, o fato de o presidente Ahmadinejad ter escrito uma carta é mais importante do que seu conteúdo. "E o fato de a secretária de Estado, Condoleezza Rice, ter anunciado a disposição dos Estados Unidos de manterem conversações com o governo iraniano é mais importante do que as condições que ela estabelece", acrescentou.

Javad Vaedi, integrante do Conselho Supremo de Segurança iraniano, concordou que a abertura dos Estados Unidos é um passo positivo, assim como a carta enviada por Ahmadinejad a Bush.

Nos dias que antecederam a a reunião de ontem em Viena entre chanceleres dos Estados Unidos, Rússia, China, Grã-Bretanha, França e Alemanha sobre o programa nuclear iraniano, autoridades do governo de Ahmadinejad elevaram o tom. Elas sugeriram que o poder do Irã se fortaleceu por muitas razões, como a alta do preço do barril de petróleo, a guerra no Iraque e o crescimento do islamismo político na região.

Há ainda um sentimento, entre algumas autoridades iranianas, de que a nova estratégia de confronto de Ahmadinejad está se mostrando mais bem-sucedida do que a atitude de construção de confiança assumida pelo ex-presidente Mohammad Khatami, que suspendeu o enriquecimento de urânio por dois anos durante negociações com os governos britânico, francês e alemão, representantes da União Européia.