Título: Fujimori volta ao centro da política
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2006, Internacional, p. A17

Quando Alberto Fujimori se aproveitou de uma reunião de cúpula na Ásia e fugiu para o Japão em 2000, abandonando a presidência do Peru - que ocupava desde 1990 -, era quase um consenso entre os analistas políticos do país que sua carreira política estava definitivamente sepultada. Mergulhado num escândalo de corrupção, espionagem e chantagem que tinha como pivô seu chefe de inteligência, Vladimiro Montesinos, Fujimori lançou mão de sua condição de cidadão japonês para escapar de uma provável prisão no Peru.

Pouco mais de cinco anos depois, a situação mudou. O engenheiro que venceu nas urnas o ícone da intelectualidade peruana Mario Vargas Llosa, perpetrou um golpe de Estado para obter poderes quase ditatoriais, superou uma das maiores hiperinflações do planeta e reduziu a pó a sanguinária guerrilha maoísta Sendero Luminoso deixou de ser um cadáver político e voltou ao papel central da política peruana. 'Você pode estar certo de que, se o presidente Fujimori estivesse nessa disputa presidencial, os peruanos não estariam condenados, como estão, a escolher entre o ruim e o pior no segundo turno de domingo', declarou ao Estado a líder fujimorista Martha Chávez, candidata à presidência que ficou em quarto lugar no primeiro turno, em 9 de abril, com 7,5% dos votos. 'Minha candidatura foi decidida a apenas dois meses da eleição, depois que a Justiça peruana, arbitrariamente, não aceitou a inscrição do presidente Fujimori. Não tínhamos nenhum recurso, praticamente não fizemos campanha e mesmo assim conseguimos uma votação expressiva e elegemos 13 deputados para o Congresso (de 120 cadeiras).' Fujimori está em liberdade condicional no Chile, onde chegou em novembro com o projeto de lançar sua candidatura nas eleições presidenciais do Peru. Sobre ele pesam oito acusações, que vão do enriquecimento ilícito à violação de direitos humanos, pelas quais a Justiça peruana busca sua extradição. Martha Chávez assegura que não há nenhum dispositivo na Constituição peruana que pudesse impedi-lo de candidatar-se, ainda que estivesse fora do país e fosse réu em processos não julgados.

De olho nos quase 1,5 milhão de votos dados a congressistas da coalizão fujimorista Aliança pelo Futuro, os dois candidatos que disputam o segundo turno presidencial neste domingo, o ex-presidente Alan García e o nacionalista Ollanta Humala, mantêm distância de Fujimori, mas hesitam em atacá-lo diretamente. Preferem acusar-se mutuamente de vínculos com Montesinos ou trazer para o centro do debate eleitoral a influência do presidente venezuelano, Hugo Chávez, na eleição peruana.

No começo da semana, Humala tentou, sem sucesso, provar que, por meio de uma troca de e-mails entre assessores de García e de Fujimori, seu rival prometera anistiar o ex-presidente em troca dos votos do fujimorismo. Na versão de Humala, a filha de Fujimori e candidata ao Congresso mais votada na eleição de 9 de abril, Keiko Sofía, teria se reunido com García para fechar o acordo. 'Nada mais falso', disse ao Estado o porta-voz de Keiko e da aliança fujimorista, Carlos Raffo - também congressista eleito. 'O fujimorismo se mantém neutro neste segundo turno, respeita a vontade soberana dos eleitores, mas guarda profunda reserva em relação aos dois candidatos. A deputada Keiko Sofía se sente indignada com essa informação e, para evitar novas ilações, não fará declarações públicas antes da votação de domingo.'

'O papel da bancada fujimorista no próximo governo será o de oposição, vença quem vencer a eleição', prossegue Martha Chávez, que durante o regime de Fujimori foi a primeira mulher a se tornar presidente do Congresso unicameral do país e era considerada 'o dobermann do fujimorismo' por causa da virulência de suas declarações em defesa do presidente. 'Seremos fiscais implacáveis do Executivo, mas exerceremos uma oposição construtiva.'

Martha acredita que Fujimori voltará ao Peru ainda este ano e setores do fujimorismo estimam que ele deve se candidatar nas eleições regionais e municipais que se realizarão no fim de 2006. Ela afirma que as acusações enviadas pelo governo peruano à Justiça chilena não serão acatadas por falta de fundamento. 'Se a Justiça chilena rejeitar as acusações, elas ficarão desmoralizadas na comunidade internacional, mesmo que os juízes peruanos insistam em levá-las adiante aqui.'

A líder fujimorista admite que Fujimori 'cometeu um grande erro' ao confiar demais em Montesinos - que, munido de informações comprometedoras tanto de opositores quanto de aliados, chantageou e subornou políticos, militares, juízes e jornalistas. 'Mas é preciso reconhecer também os grandes acertos do governo de Fujimori, que pacificou o país, saneou sua economia e implementou programas que amenizaram o sofrimento dos mais pobres', destaca.