Título: O drama do Líbano
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Quando, depois do assassinato do ex-primeiro ministro Rafih Hariri, as tropas sírias desocuparam o Líbano, no ano passado, e, após eleições livres, constituiu-se um governo de coalizão, imaginou-se que se estabeleciam as bases para a paz e a reconstrução de um país que vinha sendo seguidamente brutalizado em conseqüência do conflito palestino-israelense. A reação da maioria dos libaneses - apoiada pela comunidade internacional - contra a ocupação síria obrigou Damasco a arquivar os planos de reconstituição da Grande Síria, que incluíam a anexação do Líbano ou, se isso não fosse possível, a sua transformação em dócil Estado-cliente. Já um governo de coalizão resumia as esperanças de pacificação do país, dividido por rixas religiosas e clânicas.

Em nome da unidade, admitiu-se o Hezbollah no governo. E, para que a estabilidade do governo de coalizão não fosse perturbada, permitiu-se que o Hezbollah mantivesse suas milícias, armadas pelo Irã, sempre se adiando as iniciativas para incorporá-las ao exército nacional. Também em nome da unidade - ou pela fraqueza do governo que não controla o Hezbollah - as forças armadas libanesas, de cerca de 70 mil homens, não foram dispostas ao longo da fronteira com Israel, formando uma área de segurança que impedisse incursões guerrilheiras ao território israelense.

Tudo isso está custando caro ao Líbano e aos libaneses. Há cerca de duas semanas, quando os homens do Hezbollah atravessaram a fronteira e seqüestraram dois soldados israelenses, o governo do primeiro-ministro Ehud Olmert decidiu eliminar a ameaça que vem do Líbano. O seqüestro foi a proverbial gota d'água que desencadeou a reação "desproporcional" de Israel, que vai devastando o país dos Cedros. Em conseqüência dos ataques aéreos destinados a decapitar a liderança do Hezbollah e a atingir seus pontos de suprimentos e da barragem de artilharia que vai empurrando os militantes para o interior do Líbano, já morreram cerca de 450 civis. E os foguetes iranianos fornecidos ao Hezbollah, que atingem cidades tão distantes quanto Haifa, causaram a morte de cerca de 45 israelenses.

As tropas israelenses estão no sul do Líbano. Israel não pretende repetir a invasão de 1982, que começou para eliminar focos guerrilheiros próximos à fronteira e só terminou às portas de Beirute, além de consolidar-se numa ocupação que durou até maio de 2000. Seus objetivos políticos e militares - como mostrou Yossi Alpher, ex-diretor do Jaffee Center for Strategic Studies, em artigo publicado ontem no Estado - diferem daqueles que caracterizaram os conflitos anteriores. Ficou claro, por exemplo, que Israel não ocupará território. Além disso, pretende-se demonstrar que a retirada dos territórios ocupados não foi um sinal de fraqueza, mas sim uma decisão "de uma sociedade forte, capaz de infligir um castigo extremamente duro a seus atacantes e absorver o que de mais forte o Hezbollah e o Hamas podem lhe infligir".

O enunciado desses objetivos deixa clara a única solução viável para o conflito: Israel manterá uma zona-tampão no sul do Líbano, interditando-a ao Hezbollah, até que forças internacionais possam substituir o seu exército.

A secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice trabalha nesse sentido sem muita pressa, porque os Estados Unidos querem dar tempo a Israel para causar o maior dano possível ao Hezbollah. Em sua passagem por Beirute, a caminho de Jerusalém, disse ao primeiro-ministro Fuad Siniora, um moderado, e ao presidente do parlamento libanês Nabih Berri, um aliado do Hezbollah, que "a situação na fronteira não pode retornar ao que era antes de 12 de julho", quando foram seqüestrados os soldados israelenses. E propôs, como condição para o fim das hostilidades, a libertação dos soldados capturados e o envio do exército nacional libanês e de uma força de paz formada por tropas da Otan para o sul do Líbano. Obviamente, Berri - e não o primeiro-ministro - rejeitou a proposta.

Hoje, em Roma, a secretária de Estado participará, com 12 outros ministros do Exterior, de uma reunião destinada a elaborar o marco político para impor um cessar-fogo. Dificilmente o Hezbollah concordará com os termos de um acordo de paz, tais as precondições que, por seus porta-vozes, quer impor. Assim, se forças internacionais se deslocarem para o sul do Líbano devem se preparar para uma missão das mais difíceis.