Título: Ecos do Iraque no Líbano?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/07/2006, Internacional, p. A11

A posição dos EUA em relação aos combates no Oriente Médio é essencialmente esta: "Parem a matança. Mas não ainda." Washington resiste a um cessar-fogo imediato, como se procurasse dar mais chance para as forças israelenses destruírem o Hezbollah. Mas o tempo extra não deve se traduzir em grandes ganhos militares, enquanto cada dia de imagens terríveis na televisão árabe fortalece os linhas-duras - e a influência iraniana e xiita - em toda a região.

A ofensiva israelense e o apoio americano parecem refletir o mesmo pensamento equivocado que nos levou à guerra no Iraque. É uma idéia utópica de que todo ultraje deve ter uma solução e de que a intervenção armada é um meio útil de reorganizar o cenário político árabe.

Os israelenses estão cheios de pureza moral, como nós, americanos, ficamos depois do 11 de Setembro. E eles estão certos: os ataques do Hezbollah a Israel foram particularmente desprezíveis, pois aconteceram depois de retiradas israelenses do Líbano e de Gaza. Israel deveria ter sido recompensado pelas retiradas, e não submetido a ataques com foguetes e incursões através da fronteira.

Mas uma das mais antigas lições das relações internacionais é que nem todo problema tem uma solução clara. A regra número 1 da política externa deveria ser, como na medicina, "não causar dano". Infelizmente, o legado da atual aventura libanesa, como a invasão israelense do Líbano em 1982 e nossa invasão do Iraque, pode ser cheio de danos estratégicos.

Certo, existe um contra-argumento que enche minha caixa de correio e diz assim: o que mais um país pode fazer quando é submetido a ataques com foguetes e incursões através da fronteira por parte de uma organização terrorista comprometida com sua destruição? Se este grupo terrorista encontra refúgio seguro logo além de uma fronteira internacional e o governo e o Exército daquela área não podem controlá-lo, que opção resta a não ser destruir a ameaça? O extermínio do Hezbollah pode causar inadvertidamente algumas baixas civis, reza o argumento, mas o número passaria despercebido se as vítimas tivessem morrido nas mãos de um governo árabe (até agora, morreram em Darfur mil vezes mais muçulmanos que no Líbano). No fim, alvos fáceis têm de reagir.

O problema desse argumento é que ele está errado.

Um dia antes da incursão do Hezbollah que provocou esta guerra, terroristas lançaram ataques a bomba em linhas de trem em Mumbai, Índia, matando quase 200 pessoas (cerca de dez vezes o número de mortos em todos os ataques do Hezbollah contra Israel desde a retirada do Líbano, em 2000, até o incidente deste mês). Os atentados de Mumbai foram os últimos de uma série de ataques contra a Índia que dura anos, em ações de terroristas que operam com apoio vindo do outro lado da fronteira, o Paquistão.

Muitos indianos reclamam que seu primeiro-ministro, Manmohan Singh, tem sido tímido demais na resposta (um primeiro-ministro anterior ameaçou entrar em guerra com o Paquistão depois de um grande ataque terrorista em 2001). Mas Singh reconheceu com sabedoria que a ação militar só agravaria o problema.

E há outro exemplo: o próprio Israel, no passado. Sob Ariel Sharon e Ehud Barak, o país respondeu com comedimento a ataques do Hezbollah.

Este foi um dos motivos pelos quais o Hezbollah ficou na defensiva politicamente e governos árabes sunitas o criticaram.

Por enquanto, a aventura de Israel no Líbano lembra, em certos aspectos, a aventura americana no Iraque. Ela alimenta os linhas-duras (como Bashar Assad, da Síria) e mina os moderados (como o rei Abdala, da Jordânia), ao mesmo tempo em que dá vitórias de propaganda ao Irã e aos militantes xiitas.

Canais de TV árabes vêm exibindo uma série interminável de imagens de crianças libanesas mortas. Deixamos nossos aliados árabes numa posição impossível quando militantes perguntam como podem trabalhar com um governo americano que fornece a munição que mata essas crianças.

"Nós, que demos as boas-vindas à visão de Bush de democracia no Oriente Médio, ainda acreditamos na promessa de um Iraque livre e um Líbano livre", afirmou na segunda-feira, em editorial, o jornal libanês The Daily Star. "Dá pena ver a visão de Bush envolvida nas chamas da atual e míope política externa americana. O que foi um sonho de democracia se torna rapidamente um pesadelo de guerra civil e terror incontroláveis." O presidente Bush nunca se envolveu minuciosamente em negociações israelense-palestinas nem deu atenção à diplomacia de mediação em Damasco do modo como fez Bill Clinton. É verdade que os esforços de Clinton, no fim, não renderam muito. Os esforços conciliadores de Barak tampouco renderam.

Mas podemos acabar tendo saudade dos esforços diplomáticos americanos e israelenses que nunca renderam muito, pois eles funcionam muito melhor que intervenções militares que nos deixam em situação pior que a anterior.

* Nicholas D. Kristof escreve para 'The New York Times'