Título: Fumaça da batalha é advertência a Israel
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/07/2006, Internacional, p. A11

Será possível - será concebível - que Israel esteja perdendo a guerra no Líbano? Da aldeia de Qlaya, numa colina no sul do Líbano, posso ver as nuvens de fumaça escura que se erguem sobre o mais recente desastre na cidade libanesa de Bint Jbail; pelo menos 9 soldados israelenses morreram e outros estão cercados depois de uma devastadora emboscada dos guerrilheiros do Hezbollah no que se supunha ser uma bem-sucedida investida militar israelense contra um "centro terrorista".

À minha esquerda também se vê a fumaça subindo sobre a localidade de Khiam, onde os restos do posto destroçado das Nações Unidas permanecem como um monumento em memória de quatro soldados da ONU que morreram na terça-feira, quase todos decapitados por um míssil fabricado nos Estados Unidos, durante um ataque aéreo israelense.

Soldados indianos das Nações Unidas estacionados no sul do Líbano, visivelmente comovidos depois do horror de recolher, em pedaços, seus companheiros de Canadá, Fiji, China e Áustria de um posto da ONU claramente identificado, depositaram na manhã de quarta-feira os restos num hospital de Marjayun.

Em anos anteriores, passei horas em companhia de seus camaradas nesse posto das Nações Unidas, bem diante da fronteira com Israel.

As instalações estavam pintadas de azul e branco, e tinham uma bandeira azul da ONU na entrada. O dever desses soldados era reportar tudo que vissem: os impiedosos foguetes do Hezbollah sendo disparados de Khiam e a brutal resposta israelense contra os civis no Líbano.

Será que, por causa disso, tinham de morrer, depois de terem sido alvo dos israelenses durante oito horas e com todos os apelos que seus superiores fizeram às Forças de Defesa Israelenses para que cessassem o fogo? Foi um helicóptero israelense, também fabricado nos Estados Unidos, que se encarregou disso.

Enquanto isso, em Bint Jbail, outra carnificina acontece.

Depois de proclamarem o "controle" sobre esta cidade do sul do Líbano, os israelenses caíram numa armadilha do Hezbollah. No momento em que chegaram a um mercado deserto, foram emboscados de três flancos, e os soldados caíram sob um fogo sustentado de fuzis. O restante dos soldados israelenses - cercadas pelos "terroristas" que deveriam liquidar - fez chamados desesperados de socorro, mas um tanque israelense Merkava e outros veículos enviados como reforço também foram atacados e incendiados.

Até 17 soldados podem ter sido mortos até agora nessa desastrada operação. Durante a ocupação do Líbano em 1983, mais de 50 soldados israelenses morreram em um único atentado suicida.

O Hezbollah esperou e treinou para essa guerra durante anos e não vai renunciar ao território que libertou do Israel após 18 anos de uma guerra de guerrilha. O assalto de quarta-feira contra o Exército israelense em Bint Jbail comprovou isso.

O problema é que os Estados Unidos acreditam que a matança é uma "oportunidade" para humilhar os simpatizantes do Hezbollah em Teerã, e para ajudar a redesenhar o "Novo Oriente Médio" do qual tão alegremente tem falado a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice.

É para Israel que está se esgotando o tempo no sul do Líbano. Os ataques mais recentes contra esta nação colocaram os israelenses, pela quinta vez em 30 anos, no banco dos réus de crimes de guerra. O saldo de civis mortos no Líbano já superou os 400.

No entanto, os Estados Unidos não estão dispostos a intervir para impedir a carnificina; nem mesmo pedirão um cessar-fogo de 24 horas para permitir a saída de 3 mil civis que ainda estão presos entre Qlaya e Bint Jbail, entre os quais figuram numerosos estrangeiros com dupla nacionalidade; pelo menos dois deles canadenses.

*Robert Fisk escreve sobre Oriente Médio para o jornal britânico 'The Independent'