Título: Na fuga do Líbano, 20 horas de tensão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/07/2006, Internacional, p. A11

Exaustos, tensos e sem destino certo. Nos comboios de ônibus organizados pelo governo para tirar os brasileiros da zona de conflito no Líbano, esses são alguns dos sentimentos predominantes durante as mais de vinte horas de viagem para percorrer os 600 quilômetros entre Beirute e a cidade de Adana, na Turquia.

Na madrugada entre quarta-feira e ontem, o Estado fez parte da viagem em um dos ônibus do comboio, ao lado de brasileiros, argentinos e libaneses. O destino era a cidade turca de Adana, escolhida pelo governo para servir de base para a operação de retirada. Nos rostos daqueles que fugiam das bombas misturavam-se expressões claras da tristeza de deixar o Líbano e parte da família, o alívio de sair da guerra e a incerteza sobre o rumo que suas vidas tomariam.

"Graças a Deus consegui sair. Mas meu coração ficou no Líbano. Minha mãe está sozinha e não quis vir comigo porque diz que sua terra é lá", afirmou Ferial Hassan, que chorava ao mostrar a seu lado o filho Riad.

O périplo de muitos brasileiros começou às 5 horas da manhã da quarta, ao deixarem suas casas rumo ao consulado brasileiro em Beirute. O governo havia pedido que todos chegassem às 6 horas da manhã no local, mas os ônibus somente conseguiram partir às 9. Poucos tinham noção de que viajariam todo o dia e quase toda a noite para passar por três países e chegar a Adana.

No comboio, formado por quatro ônibus, os mais cansados eram as crianças, quase metade dos passageiros. Muitos passageiros estavam sem dinheiro, após dias sem acesso a bancos ou caixas eletrônicos.

Mas o que mais preocupava os brasileiros durante a viagem era a falta de informação. Com apenas dois funcionários para atender os 208 passageiros, muitos nem sabiam onde estavam. "Para onde exatamente estamos indo?", perguntou uma mãe com cinco filhos.

Após várias perguntas aos diplomatas, a exaustão e apreensão faziam com que o silêncio voltasse ao ônibus, cortado eventualmente pelo choro de uma criança. Uns queriam tentar dormir, depois de dias sem saber onde seria o local mais seguro para poder descansar. Outros não conseguiam fechar os olhos e refletiam sobre o futuro. "Não consigo agüentar. Essa é a viagem da tristeza", afirmou Jamal Kaloud, que volta ao Brasil após 14 anos no Líbano.

Na fronteira entre os dois países, última parada do comboio antes de seguir a Adana, a espera para obtenção dos vistos levou quase três horas, trazendo ainda mais desespero. Atrás do ônibus, uma fila de carros do Líbano com famílias que tentavam escapar das bombas.

Ontem, nem todos as 208 pessoas do comboio pegaram o vôo da Força Aérea Brasileira (FAB). Mas para os 80 selecionados, o sentimento era de satisfação e, finalmente, de alívio depois de passarem por momentos que jamais esquecerão.