Título: FHC culpa Lula por avanço de Chávez
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/07/2006, Nacional, p. A10

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) aponta uma falha na política externa do seu sucessor como fator preponderante na crescente liderança exercida pelo presidente Venezuelano, Hugo Chávez, na América do Sul. Em entrevista ao jornal chileno La Tercera, publicada ontem, FHC fez duras críticas à prioridade que teria sido dada pelo governo Lula às questões globais, em detrimento da integração regional.

"Isso (a grande influência de Chávez) não teria sido possível se o governo atual tivesse tido mais cuidado com a parte regional. Assim, teria sido possível evitar que Chávez ganhasse um terreno tão forte", analisou Fernando Henrique. Ele citou especificamente a insistência do governo na busca de uma vaga permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) como a origem de "conflitos regionais".

FHC sustenta, porém, que não cabe ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentar evitar que Chávez prossiga cooptando as esquerdas da região, nem segui-lo. "Aí o Brasil não pode fazer nada, não pode competir com Chávez nesse terreno, porque perde", destacou, na entrevista ao diário chileno. Sob esse aspecto, FHC avalia que o caminho tomado tanto pelo Brasil como pelo Chile é mais benéfico. "A longo prazo será melhor que as retóricas populistas."

Para o ex-presidente, o Brasil "não deve buscar a supremacia" na região, pois "não precisa disso". Ele destaca a necessidade de se conquistar apoios convergentes, que possam trazer benefícios para todos os países da América Latina.

CRÍTICAS

Situação completamente diferente, na sua avaliação, é a experiência da Venezuela. "(O país)tem neste momento um líder com grande força na mídia, que é porta-voz de uma visão contra a globalização e o capitalismo."

FHC conclui que Lula não poderia imitar a política externa de Chávez, pois a própria situação econômica brasileira impossibilitaria o governo de colocar em xeque a globalização.

Na entrevista, o ex-presidente questionou até a denominação de líder dada a Chávez. "Isso não significa liderança, significa uma expressão de sentimentos que têm eco mundial: estar contra o sistema capitalista. Esse não foi o ideal do Brasil, que se baseou em seu tamanho, em sua economia, em sua capacidade de negociação e não nesta retórica anticapitalista."

MERCOSUL

Na avaliação do ex-presidente, não é necessário formarem-se forças políticas contrárias à Venezuela. "Mas creio que a ação ponderada do Brasil, do Chile, da Colômbia, do México, têm força para mostrar os limites." Ele frisou a necessidade de os vizinhos respeitarem os limites domésticos de cada país.

Apesar de dedicar boa parte da entrevista a avaliar o papel de Chávez, pontuando com críticas à política externa de Lula, FHC avisou que não queria "sobrevalorizar" a importância do presidente venezuelano. Para ele, Chávez descobriu que havia uma separação entre povo e governo "e tratou de mantê-la", amparado pelo dinheiro gerado pelo petróleo. FHC reflete, acerca das pretensões de Chávez de projetar as suas idéias além-fronteiras: "O petróleo, assim como vai bem, depois cai."

Acerca do ingresso da Venezuela no Mercosul, Fernando Henrique comentou: "Vamos ver como se comporta, quem sabe se aproveita esse posto para se dar conta de que o mundo é mais complicado do que o preto e branco." E recordou: "Agora, se a Venezuela é candidata ao Conselho (de Segurança da ONU), os países do Mercosul têm de apoiar."

BACHELET

Se alfinetou o presidente da Venezuela, Fernando Henrique preservou a presidente do Chile, Michelle Bachelet, e seus antecessores. "O Chile teve a sorte de ter quatro presidentes de um nível muito acima da média", disse.

Ao ser indagado se Michelle não agiu com a firmeza suficiente no episódio da crise do gás, quando s e estranhou com o governo Néstor Kirchner, FHC avaliou: "O erro não é da presidente, mas da Argentina." E concluiu: "Se a Argentina disse uma coisa e fez outra, quem se equivocou foi a Argentina."

FHC lamentou o episódico como um empeço à aproximação dos países: "É uma pena que outra vez estejamos vivendo momentos de desintegração, porque quebram a confiança e prejudicam os interesses de médio prazo."