Título: Presidente deixa sempre porta aberta para mudar discurso
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/07/2006, Nacional, p. A6

O torneiro mecânico Luiz Ignácio da Silva dava seus primeiros passos como celebridade, no final dos anos 70, quando avisou a amigos e admiradores: "Nunca pensei em me candidatar a nada. Não tenho vocação política. Talvez daqui a três anos tenha mudado de opinião (...)" A firmeza inicial da frase, seguida de um "talvez", parecia prenunciar, já naqueles primórdios, a estratégia do "bom político", que deixa sempre uma porta aberta para sabe-se lá o quê.

O modelito, tanto tempo depois, continua forte e rijo. No começo da semana passada, acuado pelos números que apontavam os altos ganhos dos bancos em seu governo, o presidente declarou, no ABC paulista, que preferia "que os banqueiros ganhassem dinheiro a ter que fazer outro Proer, como foi feito, gastando bilhões e bilhões de reais". Em 1995, o Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro investiu cerca de R$ 14 bilhões para sanear bancos em dificuldades.

A frase foi uma grande virada em relação aos velhos tempos do "Fora FMI" , quando banqueiros eram o pior exemplo "da elite que domina este País há 500 anos". Em 1985, ele dizia: "Eu, particularmente, acho que os bancos têm de ser estatizados. Acho que não há por que não estatizá-los".

Esse esforço de adaptação retórica também funcionou no trato público da corrupção. Ficou célebre, nos anos 80, sua afirmação de que "há 300 picaretas" no Congresso.

Nos últimos dois anos as coisas mudaram. O Planalto abafou a CPI do caso Waldomiro e Lula fez malabarismos para explicar o mensalão. E, na semana passada, enveredou pela sociologia: "Não pensem que o erro de cada um é individual e partidário. O que acontece são acúmulos de deformações que vêm da estrutura política do País". Portanto, foi pelas "deformações que vêm da estrutura" que petistas e outros parlamentares foram ao Banco Rural buscar pacotes de dinheiro vivo.

A explicação traz à memória outro brilhante exemplo de flexibilidade ética: a entrevista que o presidente deu em Paris, em julho de 2005, sobre o envolvimento do PT com caixa 2. "O PT fez, do ponto de vista eleitoral, o que é feito sistematicamente por todos os partidos", justificou. Na primeira infância do PT, em 1982, valia o oposto. "O que diferencia o PT dos outros partidos é que ele busca efetivamente uma sociedade sem explorados nem exploradores".

Esse vaivém de conceitos inclui um curioso estudo sobre quem, afinal, é responsável pelos atos do governo. "A política econômica não é do Palocci, não é do Meirelles, a política econômica é do governo", garantiu ele seguidas vezes, para abafar conflitos no ministério. Mas os tempos mudam, e as necessidades também. Na reunião de maio em que cedeu ao PMDB três ministérios em troca de apoio à sua reeleição, ele atualizou a norma: "Ele (o ministro Helio Costa, das Comunicações) é do PMDB. Se tiver qualquer problema, o ministro será o responsável. O mesmo vale para a Saúde".

E nas relações pessoais? Em sua fase heróica, um impetuoso presidente do PT chicoteava, indignado, figuras como Orestes Quércia, Antonio Carlos Magalhães e Jáder Barbalho - gente com a qual, já no poder, passou a negociar rotineiramente. Mas nenhum apanhou tanto quanto o senador José Sarney (PMDB-AP). Quando este era presidente, em 1986, e falou em fazer uma reforma agrária, Lula atacou: "Sarney não vai fazer reforma agrária coisa nenhuma, porque é grileiro no Maranhão e não vai querer entregar as terras que tomou dos posseiros". No dia 24 de maio passado, visitando com o senador, seu fiel escudeiro, um trecho da rodovia Norte-Sul, em Tocantins, agradeceu os elogios e fez uma autocrítica: "Eu me enganei ao criticar a construção da ferrovia Norte-Sul". E ainda citou o programa do leite, criado no governo Sarney, como "um dos maiores programas de combate à desnutrição"que este País já teve.