Título: Órfãos do câmbio não vêem motivos para comemoração
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/07/2006, Economia & Negócios, p. B4

O pacote de reforma da legislação cambial anunciado pelo governo anteontem deixou muitos exportadores órfãos. A legislação vai beneficiar as empresas maiores, os setores mais concentrados e os que importam muitos insumos. Mas para os exportadores mais prejudicados pelo dólar baixo - de calçados, têxteis e móveis - as medidas não refrescam nada.

"A reforma vai no sentido correto, porque reduz o custo de transações", diz Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit). "Mas em relação ao câmbio, nosso maior problema, acho que não vai mudar nada."

Em 2005, no primeiro semestre, a balança comercial de têxteis teve superávit de US$ 200 milhões. Neste ano, no mesmo período, os têxteis tiveram déficit de US$ 1,7 milhão. Além disso, houve redução do valor agregado da pauta de exportação. "Estamos exportando menos vestuário e cama, mesa e banho, e mais matérias-primas, como algodão", diz Pimentel.

Para o presidente do Sindicato da Indústria Têxtil de São Paulo (Sinditêxtil-SP), Rafael Cervone Netto, o setor têxtil se sentiria atendido se, junto com o pacote cambial, surgisse um pacote de desoneração tributária. "Precisamos de isonomia competitiva. Isso sim teria efeito mais objetivo para o setor têxtil do que o pacote cambial."

O presidente do Sinditêxtil ainda tem dúvidas se a possibilidade de internalizar menos divisas irá de fato elevar a taxa de câmbio interna. "Com os juros pagos no Brasil, muitos exportadores não vão deixar esse dinheiro lá fora. Internalizam e compram títulos do governo se tiverem recursos sobrando."

Os exportadores de móveis também não vêem motivos para comemoração. "Ainda não sei se este pacote pode nos ajudar; se o dólar não voltar pelo menos para o nível de R$ 2,50, não adianta muito", diz o superintendente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), Miguel Sanchez. As exportações de móveis caíram 12% no semestre, em valor.

Em Santa Catarina, Estado francamente exportador, a queda foi mais drástica, de 24%. Para o empresário e ex-presidente do Sindicato das Indústrias da Construção e Mobiliário de São Bento do Sul (SC), Udo Weihermann, as medidas cambiais foram "fracas" e não resolverão, a curto prazo, os problemas do maior pólo exportador de móveis do Brasil. "Como usamos matéria-prima e maquinário nacional, importamos pouquíssimo e não temos muita razão para deixar capital lá fora", diz. "E a burocracia cambial também não é tão forte aqui, pois a maioria das empresas é de pequeno ou médio porte. Talvez para empresas maiores essas medidas sejam melhores."

Para o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Elcio Jacometti, as medidas não terão efeito. "O setor calçadista, que é auto-suficiente e exporta maquinários e couro, não deixa dinheiro no exterior, então não resolve nada."