Título: O jeito foi dormir no banco do aeroporto
Autor: Isabel Sobral
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2006, Economia & Negócios, p. B1

Passageiros da Varig com vôo cancelado estão vivendo seus dias de Vicktor Navorski. Personagem interpretado por Tom Hanks no filme O Terminal, de Steven Spielberg, Viktor Navorski passa dias e noites no Aeroporto JFK, de Nova York, por não poder entrar nos Estados Unidos.

O americano Jonathan Bernal e a brasileira Letícia Gomes saíram na manhã de quarta-feira da Austrália, onde moram, com destino ao Espírito Santo. Tiveram de fazer uma conexão no Chile e lá ficaram por conta do cancelamento do vôo da Varig. O próximo sairia na quinta-feira pela manhã.

A Varig não ofereceu refeições nem o hotel e eles foram obrigados a dormir no aeroporto. O casal chegou ao Chile no início da tarde. Às 18 horas, os dois jantaram um sanduíche. À noite, as lanchonetes fecharam. Restaram a eles os bancos do aeroporto. O jeito foi ir se esticando, virando de um lado para o outro, até encontrar uma posição menos ruim para dormir.

As bagagens ficaram no guarda-volumes. Para abri-las e tirar alguma peça de roupa, precisariam sair do aeroporto e pagar para entrar no país. Preferiram ficar ali mesmo. Ela, com um moletom, e ele, com uma camisa de mangas curtas. Ambos vestiam calças jeans. "Acordávamos de meia em meia hora, com frio e medo que nos acontecesse alguma coisa.

"Foi uma noite horrível." Quando "acordaram", pensaram em tomar banho, mas as toalhas estavam na mala. Às 6 horas, conseguiram embarcar num vôo para São Paulo, onde permaneceriam por mais de 12 horas, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, até voarem para Espírito Santo.

Jonathan e Letícia já deram boas risadas com o filme de Spielberg. Ontem, apesar do cansaço, estavam rindo de si mesmos. Ao contrário de Lucimara Puccinini, que andava aos prantos pelo mesmo aeroporto tentando voltar para Milão com o neto de quatro anos. Lucimara é gaúcha, mas mora na Itália com a filha e o pequeno Henrique. Veio há três meses para o Brasil, visitar a família em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul.

Na quarta-feira, foi para Porto Alegre, com a certeza de que voaria naquela mesma noite para Milão. Mas nem sequer conseguiu sair da capital gaúcha. Como o vôo para São Paulo foi suspenso, Lucimara e o neto dormiram no aeroporto. Ela, na verdade, passou a noite em claro com o menino no colo.

"Não dá para dormir numa situação dessas, principalmente quando se tem o neto doente." Henrique sofre de bronquite asmática e estava gripado. Teve febre durante à noite e tossiu muito.

Ontem pela manhã, os dois viajaram para São Paulo, de onde deveriam ter saído às 15h30 para Madri e, de lá, para Milão, pela companhia Ibéria. Quando Lucimara chegou em Guarulhos, soube que a empresa não aceitaria o bilhete endossado pela Varig. O jeito foi sair chorando, com o neto no colo, de balcão em balcão. Na Varig, disseram que não poderiam fazer nada e, no escritório do Departamento de Aviação Civil do aeroporto também.

Henrique, de vez em quando, puxava a blusa da avó e perguntava: "Então, quer dizer que não vamos mais viajar?" Depois de muito tentar e chorar, Lucimara conseguiu passagem para Portugal, pela TAP. Embarcaria ontem à noite.

Enquanto os dois voavam para a Europa, a uruguaia Maria Rosa experimentou a estranha sensação de dormir no aeroporto. Ontem à tarde, ela já se preparava psicologicamente para enfrentar a noite. Maria Rosa chegou a São Paulo às 9 horas; pretendia ir ao México visitar a irmã.

Se tudo der certo, seu vôo sai hoje, às 8h30. Essa é a quarta vez que ela viaja do Uruguai para o México pela Varig. "Escolhi novamente a empresa para ter conforto e veja agora como estou", disse, sentada num banco com os pés sobre a mala. Era assim que pretendia dormir.