Título: Doha: Bush aceita reunião de líderes
Autor: Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/06/2006, Economia & Negócios, p. B5

Após sete meses de insistência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva obteve um sinal positivo do seu colega George W. Bush, dos Estados Unidos, a uma reunião de líderes mundiais para arrematar, com decisões políticas, a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), que discute liberalização comercial. Bush ressalvou que o encontro só será realizado se falharem os esforços agendados para o próximo dia 29, em Genebra, quando os ministros dos países mais influentes na OMC teriam de concluir os capítulos industrial e agrícola.

O sinal verde surgiu em uma conversa de 20 minutos, por telefone, entre os dois presidentes, na manhã de ontem. O telefonema de Washington obrigou Lula a cancelar seu discurso na abertura de um encontro sobre Bolsa-Família, em Brasília. Mas a iniciativa tinha partido do Palácio do Planalto. Na semana passada, foi acertada uma conversa de Lula com Bush, que acabou adiada na última hora por causa da visita-surpresa do presidente americano ao Iraque.

Fontes do Planalto informaram que, na conversa, Lula mostrou-se preocupado com os impasses na OMC e cético quanto a soluções ministeriais. A rigor, o sucesso de Doha depende de uma corrida contra o tempo. Os países envolvidos deverão apresentar suas propostas definitivas sobre agricultura, indústria e serviços até 30 de julho para que o acordo final seja consolidado até o fim do ano.

"O Brasil está pronto para dar sua contribuição se os outros fizerem o mesmo", disse Lula a Bush, ao indicar que a proposta de abertura do mercado industrial brasileiro pode ser mais generosa se houver correspondência da Europa e EUA. "Os participantes devem fazer sua parte e respeitar o princípio da proporcionalidade."

Bush lembrou ao presidente brasileiro que os negociadores americanos encaram com seriedade a reunião ministerial do dia 29 e levarão mensagens claras do interesse de Washington de concluir a Rodada Doha a bom termo.Mas não detalhou se será apresentado um projeto mais substancial de redução dos subsídios agrícolas. Indicou que espera êxito no encontro, mas disse que, se fracassar, o encontro de chefes de Estado e de governo deve ser organizado.

Lula trabalha essa proposta desde novembro, antes da Conferência Ministerial da OMC em Hong Kong. Bush foi um dos primeiros a ouvir os apelos do presidente brasileiro, mas não deu resposta. Os primeiros-ministros da Alemanha e da Grã-Bretanha foram mais afáveis, mas nada decidiram. Jacques Chirac, da França, também fugiu a um compromisso.

Em uma última tentativa de emplacar a idéia, Lula defendeu que a Rodada Doha seja tratada na reunião ampliada do G-8 (as economias mais ricas, incluindo a Rússia), em São Petersburgo, entre 15 e 17 de julho - ou pelo menos em um encontro paralelo. Segundo ele, essa seria a última chance de um acerto político para impulsionar a negociação antes do prazo de 30 de julho.

O dilema da Rodada Doha está no limite da proposta de cada um dos três principais atores. A União Européia resiste a apresentar uma oferta de maior abertura de seu comércio agrícola - e bate nos americanos por não apresentarem uma nova proposta de redução dos subsídios domésticos. Os EUA alegam que, sem a abertura agrícola européia, não podem cortar as subvenções aos agropecuaristas. Ambos se aliam somente para criticar a posição reticente do G-20 (grupo de países em desenvolvimento liderado pelo Brasil e pela Índia) sobre a liberalização do comércio de bens industriais e de serviços.

O G-20 reclama que os sacrifícios dos países devem ser proporcionais a seu nível de desenvolvimento. Hoje, em Genebra, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reúne-se com representantes do grupo para afinar as posições para essa etapa crucial da Rodada.