Título: O G-8 e o poder americano
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Quando conflitos armados eclodem sem prévio aviso, como agora no Oriente Médio, as engrenagens da diplomacia internacional são acionadas às pressas para estancar, ou pelo menos confinar, as hostilidades. O Conselho de Segurança da ONU é convocado, chefes de Estado e de governo trocam telefonemas de emergência e, conforme a importância das forças beligerantes ou a realidade geopolítica da região conflagrada, os líderes das grandes potências podem achar necessário se entender face a face para apressar a contenção da crise. Desta vez, isso não foi preciso.

O G-8, o clube dos poderosos da Terra, já estava para se reunir em São Petersburgo, na Rússia, no último fim de semana, quando, três dias antes, a milícia islâmica do Hezbollah matou 8 soldados israelenses e seqüestrou outros 2 na fronteira com o Líbano. Israel atacou o país com desmedida violência, matando 145 civis (até domingo) e espalhando destruição por toda parte. Em represália, o Hezbollah lançou sobre Haifa, no norte israelense, dezenas de foguetes, causando mais de 20 baixas, entre civis e militares.

Em tese, era de esperar que o G-8 aproveitasse o seu encontro e fizesse valer a sua autoridade para deter a espiral de violência. A primeira medida, naturalmente, seria uma decisão conjunta exigindo o cessar-fogo imediato. Mas, no assimétrico sistema de relações internacionais que não consegue produzir nada de substancial contra a vontade da hiperpotência americana, os diplomatas perderam o seu tempo em contorcionismos verbais para chegar a um documento de aparente consenso entre os signatários e de real irrelevância.

No momento em que um membro das Nações Unidas, o Líbano, está à beira do colapso como Estado - não apenas em razão dos bombardeios que desmancham a sua infra-estrutura, mas também pela catástrofe humanitária deles resultante que o seu governo não tem a menor condição de administrar -, o que os governantes dos 7 países mais ricos do globo, além da Rússia, conseguem oferecer é um texto tortuoso que apela a Israel para moderar ao máximo as suas investidas e cobra do Hezbollah a libertação dos soldados inimigos presos.

"Não se pode permitir que os extremistas e quem os apóia joguem a região no caos", diz o documento, numa alusão indireta ao Hezbollah e ao Hamas, à Síria e ao Irã. Tentando salvar as aparências, o presidente francês Jacques Chirac disse que "é evidente (sic) que o G-8 está pedindo um cessar-fogo". Evidente é a leniência do grupo. Para o presidente Bush, "tudo acabaria" se a ONU "fizesse a Síria fazer o Hezbollah parar com essa m...", como disse, desatento aos microfones, ao premier britânico Tony Blair.

Se nisso ele crê, pouco importa que outros líderes, como Chirac e o russo Vladimir Putin, tenham uma visão menos simplória do que talvez esteja em jogo nessa nova conflagração. "Israel persegue objetivos estratégicos mais amplos", disse por exemplo Putin, enigmaticamente. O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, defende o envio de uma força de paz ao sul do Líbano e Blair acredita que a iniciativa poderá deter a contra-ofensiva do Hezbollah e permitir que Israel também cale as suas armas. Mas não há por que ser otimista: Israel parece achar que ainda não chegou a hora disso.

A futilidade do G-8 também ficou escancarada em relação à própria pauta original da reunião de São Petersburgo, centrada no binômio clima e energia. O organismo fracassou em construir um acordo a respeito do que é provavelmente a mais importante questão do mundo contemporâneo. Recorrendo ao diplomatês para atestar que o encontro não conduziu a parte alguma, o texto final consignou que "os membros do G-8 têm caminhos diferentes para obter segurança na área de energia e para lidar com a proteção ao clima". O caminho dos Estados Unidos de Bush continua sendo não aderir ao Protocolo de Kyoto, que trata da redução dos gases causadores do efeito estufa.

Do mesmo modo, diante de uma questão de vital importância para os países como o Brasil - a liberalização do comércio internacional -, os dirigentes dos Estados Unidos, Alemanha, Japão, Grã-Bretanha, França, Itália, Canadá e Rússia lograram apenas dar mais 30 dias de chance para a salvação da Rodada Doha sobre cortes de tarifas e subsídios. Mas isso é tema de outro editorial nesta página.