Título: Novo esforço pela rodada
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Ainda é possível salvar a maior negociação comercial empreendida até hoje, a Rodada Doha, e vale a pena mais um esforço para isso, segundo os chefes de governo do G-8, formado pelas sete principais economias capitalistas mais a Rússia. Reunidos em São Petersburgo, com uma pauta predominantemente política (ver editorial nesta página), eles tomaram apenas uma decisão prática a respeito da rodada, prolongando até meados de agosto o prazo para os negociadores tentarem um acordo sobre os pontos principais da liberalização comercial. Se isso for possível, o trabalho politicamente mais complicado será concluído, mas ainda será preciso resolver, em poucos meses, um grande número de complicados detalhes técnicos. Se nenhum grande obstáculo surgir, os delegados de cerca de 150 países poderão celebrar, no fim deste ano ou no começo do próximo, o acordo final.

Pelo plano original, os negociadores deveriam ter concluído a rodada no começo de 2005. Mas, até hoje, não houve sequer um entendimento sobre as chamadas modalidades - as linhas gerais da liberalização dos mercados agrícola, industrial e de serviços. O prazo para o acerto das modalidades foi esticado várias vezes. Neste ano, tentou-se liquidar o assunto até o fim de abril, depois até julho e agora há o compromisso de um novo esforço concentrado até meados do próximo mês.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos seis governantes de países de economias emergentes convidados para o encontro do G-8, havia anunciado a intenção de cobrar uma decisão política sobre a rodada. Acabou sendo surpreendido, porque os líderes do mundo rico se anteciparam, dando mais algumas semanas para a definição das grandes linhas. Mas não se envolveram além desse ponto. A intenção declarada por Lula era conseguir um compromisso mais forte sobre as concessões necessárias, principalmente da parte dos mais desenvolvidos.

A idéia de maiores obrigações para os mais poderosos foi incluída, no longo comunicado emitido em nome dos seis emergentes - Brasil, África do Sul, China, Índia, Mexico e República do Congo. Seis dos 35 extensos parágrafos foram dedicados à questão da segurança energética, com apenas uma breve referência à possível importância do etanol, do biodiesel e de outros biocombustíveis. Outros seis parágrafos foram dedicados à agenda de Doha, com as habituais declarações contra os subsídios e o protecionismo agrícola do mundo rico e a defesa de tratamento diferenciado para as demais economias. Na composição de opiniões, a menção aos interesses brasileiros acabou dissolvida no meio de um conjunto sem grande impacto. Lula ainda pôde, num discurso, falar em crise de liderança e convocar os governantes para um envolvimento direto na negociação.

Mas a cobrança mais expressiva foi feita pelo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy. "A responsabilidade política principal está aqui, com 85% do produto bruto e 75% do comércio mundiais", disse ontem aos participantes da reunião. "Gostemos ou não, o resto da negociação depende agora da solução do enigma agrícola e industrial", afirmou. "Neste estágio, o impasse em que estamos presos nos levará ao fracasso, muito em breve, se os senhores não derem a seus ministros mais espaço para negociar. Prazos são úteis apenas com essa condição."

Espaço para maiores concessões terá um custo político para cada governo, reconheceu Lamy. "Mas estou convencido", afirmou, "de que, para alcançar um compromisso, será preciso aceitar esse custo." Ele dirigiu a cobrança principalmente aos líderes do mundo rico, mas não deixou de mencionar as concessões das economias em desenvolvimento para a importação de produtos industriais. Em termos objetivos, segundo o chefe da OMC, trata-se apenas, de um e de outro lado, de ceder mais uns poucos pontos de porcentagem neste ou naquele item. "Portanto o problema não é técnico, mas político."

Coube a Lamy, de certa forma, transmitir o recado que Lula pretendeu levar a São Petersburgo. Por sua condição de mediador e por seu conhecimento do assunto, ele deu à mensagem uma força que Lula ou qualquer outro governante dificilmente poderia dar. Se as suas palavras terão efeito prático é algo que ainda se vai conferir.