Título: Chirac critica Lula por falta de flexibilidade
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2006, Economia & Negócios, p. B1

O almoço de ontem entre os chefes de Estado das economias mais poderosas do mundo, em São Petersburgo, foi palco de uma batalha verbal. O presidente francês, Jacques Chirac, criticou a falta de flexibilidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Deixou claro que, apesar de sua "amizade" com o líder brasileiro, o comércio é um capítulo a parte.

Portanto, completou Chirac, não haveria nenhuma "confiança" entre França e Brasil ao tratarem do tema.Mais comedido, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, cravou a real dificuldade para alcançar os pré-acordos sobre agricultura e serviços até 17 de agosto: os avanços nas últimas duas semanas, afirmou ele, foram apenas "marginais".

Lamy não entrou no debate de Chirac com Lula; o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, manteve uma distância defensiva; a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, preferiu uma posição híbrida, ao dizer que todos têm de flexibilizar suas posições. O primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, preservou seu otimismo, mesmo depois de ouvir todos eles. Lula expôs seus argumentos já expressos, pouco antes, em seu discurso.

Quatro horas depois, quando se encontrou com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, Lula comentou o ataque do francês. "Eu continuo otimista que o presidente Chirac vai ceder um pouco", disse o brasileiro, diante da imprensa, quase sem forças para uma defesa mais entusiástica. "Penso que, se nós não fizermos um acordo, estaremos contribuindo para o retrocesso no comércio exterior dos países mais pobres", assinalou.

RESISTÊNCIA FRANCESA Pouco antes de embarcar de volta ao Brasil, Lula comentou com assessores que ainda estava confiante na evolução positiva das negociações da Rodada Doha. Na sua avaliação, o único isolado, neste momento, é o presidente da França.

Não foi apenas em São Petersburgo que os franceses afrontaram a posição brasileira de tratar de comércio em uma reunião de cúpula. A resistência era observada desde que Lula propôs um encontro de líderes para destravar a Rodada Doha, em novembro de 2005. Desta vez, a França destacou que não estava nem um pouco satisfeita com essa discussão na reunião do G-8. Um negociador que esteve na sala de almoço relatou ao Estado que Chirac foi duro em seus comentários sobre Lula e outros líderes presentes.

"O presidente Lula pensa da seguinte forma: o que é meu é meu; e o que é dos demais é negociável", teria dito, numa clara acusação de que o Brasil pretende a abertura do mercado europeu de produtos agrícolas sem aceitar uma liberalização equivalente do setor industrial.

Segundo relato desse participante, Chirac reagiu ainda contra o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, alegando que o bloco não teria tanta flexibilidade para definir sua oferta como Bruxelas está anunciando. Barroso havia dito que a Europa estaria pronta para se mover nas negociações.

Na entrevista ao final do encontro de São Petersburgo, Jacques Chirac repetiu esses mesmos recados. Criticou o fato de os "países pobres" não estarem representados na reunião - apesar de o Congo falar pelos 53 países da União Africana. Reclamou que a reunião não era o lugar para tratar de comércio, tripudiou o mandato da União Européia para negociar e declarou que o G-8 "não dirige o planeta".