Título: Rodada Doha ganha impulso no G-8. Mas não como Lula queria
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2006, Economia & Negócios, p. B1

Tudo havia sido planejado pelo governo brasileiro para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva brilhar na reunião do G-8, mas o resultado final não foi bem esse. O presidente embarcou na noite de ontem de volta ao Brasil sem o troféu, longamente acalentado, de haver tirado do atoleiro as negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Também havia a expectativa de que os combustíveis alternativos do Brasil fariam sucesso, principalmente por causa do aumento das tensões no Oriente Médio. Não foi o que ocorreu.

Há oito meses, o Brasil vem defendendo um compromisso entre chefes de Estado para avançar a Rodada Doha, pois os técnicos chegaram a um impasse. Essa foi a proposta levada por Lula ao G-8, mas os líderes participantes não assumiram compromissos políticos adicionais em torno do assunto. O presidente da França, Jacques Chirac, chegou a atacar a proposta brasileira. A Rodada Doha, de fato, ganhou um impulso, mas não graças à sugestão de Lula. O próprio G-8 achou por bem dar um prazo adicional de 17 dias para os negociadores chegarem a um acordo.

O presidente brasileiro também viu sua missão de chamar a atenção do mundo para a "crise política" da negociação e a "omissão" dos principais atores da OMC atropelada pelo agravamento da crise no Oriente Médio e pelos debates sobre o envio de tropas das Nações Unidas ao sul do Líbano.

No resultado mais visível das discussões do G-8, os ministros de Comércio presentes em São Petersburgo e o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, saíram em correria para Genebra no fim da manhã para buscar um entendimento dentro do novo prazo. O grupo partiu no avião do governo americano, que transportava a representante de Comércio dos Estados Unidos, Susan Schwab.

Numa reunião na noite de ontem, negociadores dos Estados Unidos, União Européia, Brasil, Índia, Japão e Austrália, considerados os mais influentes na OMC, tinham na pauta três questões relevantes: redução acima de 53% no pacote de subsídios domésticos agrícolas pelos EUA, corte de 60% nas tarifas de importação de bens agrícolas na Europa e abertura industrial das economias em desenvolvimento. Ficaram acertados dois novos encontros para tentar destravar as negociações no prazo.

De manhã, Lula encontrou-se reservadamente com o presidente dos EUA, George W. Bush. "Estou convencido de que chegou o momento de tomarmos uma decisão política sobre a Rodada Doha, qualquer que seja ela", afirmou a Bush, diante dos jornalistas. "Não podemos deixar mais nas mãos dos nossos negociadores. Parece que eles não têm mais cartas no colete. Os líderes é que têm de dar as cartas agora." Bush apenas sorriu.

Em seguida, Lula participou da reunião do G-8 com os países emergentes convidados - África do Sul, China, Congo, Índia e México. Mais tarde teve uma audiência com o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

De acordo com o relator do encontro do G-8 com os convidados, Sergey Prikhodko, os 13 chefes de Estado reunidos no Palácio Constantino decidiriam incluir no documento adicional a instrução para que seus negociadores "trabalhem construtivamente" para concluir os pré-acordos sobre agricultura e indústria no prazo estendido pelo G-8.

O que Lula pretendia, conforme destacou em seu discurso aos 12 presidentes, era obter deles o "firme impulso e instruções renovadas" para aproximar as posições negociadores no prazo de um mês. Os termos são parecidos, mas na linguagem diplomática a segunda orientação é mais forte do que a primeira.

Lula disse que o nível dos subsídios agrícolas pagos pelos países ricos é "excessivo, ilegal e desumano" e afirmou que a manutenção do status quo nesse campo condena parte da humanidade a viver na fome e na miséria. Ele reiterou que está pronto para autorizar a apresentação da oferta brasileira, com cortes mais fundos nas tarifas de importação de bens industriais.

"Os críticos certamente terão espaço na mídia, mas os verdadeiros líderes não pensam apenas na defesa de interesses imediatos. Eles olham para o conjunto da sociedade, para as gerações presente e futuras", anunciou. "Estou pronto para instruir o meu ministro encarregado das negociações a demonstrar a flexibilidade requerida para que a Rodada do Desenvolvimento seja ambiciosa e equilibrada, com ganhos para todos. Não espero menos dos meus colegas aqui presentes."