Título: Alta não abala economia dos EUA
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2006, Economia & Negócios, p. B8

Foi um pequeno milagre. O pressuposto poder da alta dos preços do petróleo de causar uma crise econômica mostrou ser mais mito que realidade. Nós, americanos, andamos resmungando contra os crescentes preços da gasolina enquanto enchemos o tanque como se nada tivesse acontecido.

No feriado de 4 julho (Dia da Independência dos Estados Unidos), um recorde de 40,7 milhões de americanos viajaram mais de 80 quilômetros, um aumento de 1,2% em relação ao ano passado.

Em junho, o consumo de gasolina ultrapassou a casa dos 9,5 milhões de barris diários, um recorde mensal. Nesse ínterim, a economia parece forte. A taxa de desemprego de 4,6% certamente está próxima do "pleno emprego".

O embate entre Israel e seus vizinhos - que imediatamente empurrou os preços dos contratos futuros de petróleo para US$ 78 o barril - propõe uma questão: será que nossa boa sorte está prestes a acabar?

Embora a resposta temporária seja não, não pode ser dada com total confiança.

O economista Nariman Behravesh, da Global Insight, acha que a expansão da economia americana vai continuar mesmo que os preços do petróleo cheguem a US$ 85. Mas fez ressalvas.

Um grande transtorno no suprimento do Golfo Pérsico poderá reduzir a produção em até 5 milhões de barris por dia - de um total de 85 milhões de barris.

Os preços poderão subir para US$ 120 o barril. O efeito econômico será devastador. Cada aumento de US$ 10 por barril representará uma alta no preço da gasolina de cerca de 25 centavos o galão (3,78 litros).

Os mercados estão operando com medo. A diferença entre a demanda e a capacidade produtiva é muito pequena, talvez de 1 milhão a 2 milhões de barris por dia.

Como a demanda por petróleo é o que os economistas chamam de "inelástica" - quer dizer, os consumidores encaram o combustível como essencial e restringem a sua compra só ligeiramente se os preços aumentam -, até mesmo ameaças moderadas ao suprimento podem resultar em grandes elevações no preço.

Os rebeldes da Nigéria reduziram as vendas do país em cerca de 600 mil barris por dia, diz Mary Novak, da Global Insight. Os preços subiram.

Os combates no Oriente Médio criam muitas possibilidades sombrias e de longo alcance - o Irã talvez restrinja a produção para pressionar Israel, os terroristas talvez impeçam os navios petroleiros de usarem o Estreito de Hormuz e os israelenses talvez bombardeiem o Irã.

"Todo mundo está comprando por medo de uma descontinuidade no fornecimento", diz Mark Zandi, da Moody's Economy.com. A geopolítica não é o único perigo.

"Se um outro furacão varrer o Golfo do México e danificar os poços de petróleo e as refinarias, isso provocará a elevação dos preços".

Há, também, um descompasso entre os suprimentos de petróleo bruto disponíveis e o tipo de petróleo que as refinarias querem, observa Novak.

Os petróleos mais desejados são os brutos leves e doces, altamente líquidos e com baixo teor de enxofre. Esses brutos são facilmente refinados para serem transformados em gasolina, combustível para aviões a jato e óleo diesel.

Em contraposição, os brutos pesados e amargos (grossos com alto teor de enxofre) não são facilmente refináveis. Esses são relativamente abundantes. A escassez do petróleo bruto doce está pressionando os preços para cima.

Mas, até agora, o impacto sobre a economia tem sido reprimido. Por quê?

Três motivos se destacam: primeiro, ajustados pela inflação, os preços do petróleo e da gasolina permaneceram abaixo de picos anteriores. Isso talvez não seja mais verdade, pois as altas anteriores, de 1980 e 1981, quando o preço médio da gasolina chegou a quase US$ 3 o galão, mais ou menos os preços de hoje.

Segundo: os gastos com gasolina têm representado uma parcela menor do orçamento doméstico porque, no decorrer dos anos , os americanos ficaram mais ricos. Embora isso ainda seja verdade, a diferença está encolhendo.

Em 1980 e 1981, os gastos com gasolina representavam 4,3% da renda pessoal dos americanos disponível. Em 2002, essa porcentagem era de cerca de 2,1% e agora é de 3,7%.

Por último, a maioria das empresa não tem transferido gastos mais altos com energia para os preços. Mas alguns economistas se preocupam que isso possa ocorrer em breve.

O que é pior, os preços do petróleo podem subir justamente no momento em que os outros indicativos apontarem para um crescimento econômico mais fraco.

Desde junho de 2004, o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) vem elevando as taxas de juros de curto prazo. Os aumentos cumulativos agora parecem estar tendo efeito.

O preço dos empréstimos está subindo. O mercado de imóveis está esfriando. Está mais difícil para os proprietários de imóveis vendê-los e extrair enormes lucros da venda - lucros usados para outros gastos. O preço mais alto da gasolina também pode minar a confiança.

"Não há nenhum outro fator que influencie tanto o consumidor", dizem os economistas Jochen Hitzfeld e Roger Kubarych, do HBV Group.

Assim, o petróleo está no ponto de desequilíbrio? Será que preços mais altos podem dar origem a uma recessão? Bem, sim. Mas, provavelmente, vão precisar custar muito mais que US$ 80 o barril. Ninguém sabe.

O que sabemos é que a economia dos Estados Unidos tem frustrado consistentemente poderosas razões para cambalear e demonstrado notável capacidade de recuperação.

*Robert J. Samuelson escreve para a revista 'Newsweek'