Título: 'Presidente substitui valores republicanos pela esperteza'
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/06/2006, Nacional, p. A7
César Benjamin, o candidato a vice-presidente da República na chapa da senadora Heloísa Helena, do PSOL, ainda não entrou na campanha eleitoral. No momento conclui alguns trabalhos para editora que dirige no Rio, a Contraponto, e reúne munição para os debates que deverá enfrentar nos próximos meses. "Queremos discutir um projeto para o Brasil", anuncia. "Se a campanha ficar entre o PT e o PSDB, vai se resumir a definir quem foi o mais medíocre no governo ou quem roubou mais."
Já se sabe que Benjamin será um dos mais afiados críticos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT - partido que ajudou a dirigir durante 15 anos, da fundação até 1995, quando saiu por discordar dos métodos que vinham sendo adotados por Delúbio Soares e desaguariam no escândalo do mensalão. Na entrevista abaixo, ele adianta o que deve dar o tom da campanha do PSOL.
Há setores da esquerda que esperam que a candidatura do PSOL empurre Lula para a esquerda, se houver segundo turno. Acha isso possível?
Essa não é nossa preocupação. A Heloísa Helena não deve ser tratada como uma candidata menor. Apesar de sua candidatura ser recente e o partido pequeno, ela já tem 7% das intenções de voto, com tendência de crescimento. No conjunto de eleitores, isso significa 9 milhões de votos, o que é uma massa considerável. Se excluirmos São Paulo, onde ela tem 4% dos votos, a média nacional sobe para 9 pontos. No Rio ela já apareceu em segundo lugar nas pesquisas, à frente de Geraldo Alckmin, do PSDB.
Qual deve ser o tom da campanha do PSOL?
No que depender de mim, será uma campanha propositiva, com debates sobre um projeto para o Brasil. Se a campanha ficar entre o PT e o PSDB, vai se resumir a definir quem foi o mais medíocre no governo ou quem roubou mais.
Se o atual governo foi medíocre, como explica a liderança de Lula nas pesquisas sobre intenção de voto, depois de todas as denúncias sobre corrupção?
Lembre-se de que há muitos meses o governo federal tem uma propaganda a cada 20 minutos nos meios de comunicação de massa no País. Por outro lado, a imprensa ainda é muito condescendente com o atual governo. Vou dar alguns exemplos. Ele esteve no Rio para inaugurar um pólo da Petrobrás cujo terreno ainda nem foi comprado e que só deve entrar em operação em 2012. Isso não é inauguração, mas a imprensa trata como se fosse. O mesmo aconteceu com a Transnordestina, que também não existe, mas foi inaugurada. Na ocasião, para que o presidente aparecesse ao lado de uma locomotiva, tiveram de buscar uma, de carreta, a quase 300 quilômetros de distância. Deve ter sido a foto mais cara da história, paga com dinheiro público, não do PT. Lula é um presidente que durante todo o tempo substitui os valores republicanos pela esperteza. Ele se apequenou de tal maneira que manipula dados estatísticos a seu favor, colocando instituições do Estado a serviço de uma candidatura.
Pode dar exemplos?
Os jornais publicaram, a partir de um levantamento do IBGE realizado em maio, que o rendimento do trabalho subiu 7% no ano. O que não se esclareceu é que em maio entrou em vigor o aumento do salário mínimo, provocando uma elevação no conjunto dos salários. Não foi só agora. Isso acontece todo ano. A imprensa também divulgou que a concentração de renda no Brasil diminuiu. São números obtidos a partir de informações da PNAD. Mas é falso.
Por quê?
A PNAD é uma pesquisa de amostra por domicílio e só capta a distribuição da renda do trabalho. Ela não registra a diferença entre a renda do trabalho e a renda do capital. Há cerca de 25 anos, a renda do trabalho no Brasil correspondia a 56% da renda nacional. Hoje representa muito menos, em torno de 35%. O que está acontecendo, como se vê, é que a renda do trabalho participa cada vez menos do todo da renda nacional. O que a PNAD mostra é apenas como essa renda se distribui.
Segundo a pesquisa, os mais ricos teriam perdido renda.
Estão falando do decil mais rico que eles pesquisam, os ricos da PNAD, que são professores, enfermeiros, burocratas, com salários de R$ 3.100. No caso de um país que cresce 2,6% ao ano, tem juros na casa de 16% e onde o desemprego chega a 17% da população em idade de trabalhar, não dá para acreditar que esteja ocorrendo redistribuição de renda. A única coisa evidente nisso é o alto nível de manipulação dos números.