Título: Flexibilização no câmbio
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/07/2006, Economia & Negócios, p. B2

O governo passou por cima da maioria das bobagens proferidas por burocratas encastelados no Ministério da Fazenda e deu passo importante na flexibilização das regras do câmbio.

A decisão mais importante está no estatuto da cobertura cambial. Esta é a exigência, que tem mais de 70 anos, de que o exportador venda no câmbio interno os dólares faturados lá fora e que o importador compre também no câmbio interno os dólares destinados ao pagamento de suas contas no exterior. Um dos problemas dessa exigência é o de que empresas que operam nas duas mãos de direção (caso da Embraer) têm de recomprar os dólares que estejam vendendo e nessa dupla operação sejam obrigadas a pagar até 4% a mais para os intermediários de câmbio.

A decisão não contempla todas as operações de câmbio. Contempla apenas as que se referem ao comércio de mercadorias e serviços. Isso significa que, em princípio, as operações financeiras ficam de fora. Por exemplo, o tomador de um empréstimo externo continua tendo de fazer o câmbio desses dólares aqui dentro, mesmo se tiver de pagar importações lá fora, o que não deixa de ser uma limitação incompreensível.

Por enquanto, essa flexibilização se restringe a 30% das operações de exportação. O Conselho Monetário Nacional vai manter o comando da válvula para ampliá-la até 100% ou restringi-la até zero. A motivação original das mudanças foi estimular depósitos em moeda estrangeira no exterior para que a menor entrada de dólares impedisse queda ainda maior das cotações do dólar no câmbio interno ou, até mesmo, ajudasse a recuperar as cotações. Isso não vai acontecer porque não há interesse do exportador em manter dinheiro depositado no exterior se pode aplicá-lo a juros bem mais altos no mercado financeiro interno. Enfim, o principal efeito dessas medidas será simplificar e reduzir os custos na área cambial.

Com o tempo, é provável que se dissipem temores infundados de que a flexibilização cambial estimule fuga de dólares. Por isso, é de se esperar que o atual limite de 30% seja esticado. Ou seja, a tendência é de ainda maior liberação do câmbio. Quando a economia estiver equilibrada, não haverá mais razão para controles desse tipo.

A Receita Federal se opunha a essas mudanças sob o argumento de que moeda estrangeira não submetida ao câmbio interno deixa de recolher CPMF, o que implicaria perda inadmissível de arrecadação. Esses pruridos fiscalistas acabaram sendo atropelados na decisão final, mas mostram que determinados setores do governo não estão nem um pouco interessados na racionalização e na redução de custos. Só pensam em arrecadar e não conseguem entender que desburocratização e redução de custos acabam por aumentar as operações de câmbio e a própria arrecadação.

Um dos pleitos da Fiesp, autora da proposta original, foi o de permitir a compensação privada de câmbio. Seria o caso em que um grande exportador, como a Vale do Rio Doce, pagasse contas de outras empresas no exterior com receitas de exportação para ser compensado internamente em reais. Esse tipo de operação segue proibido.

O Banco Central pegou carona na minirreforma para dar nova oportunidade de regularização a capital estrangeiro não registrado. Isso funciona como anistia. Se vai ter ou não interessados é o que ainda vai se ver, porque algum motivo houve para que esses recursos permanecessem sem registro.

Para as pessoas físicas, a novidade é poder pagar o free shop nos aeroportos em moeda nacional e não mais apenas em dólares. Isso reduz a quantia de dólares que os viajantes levam para o exterior, mas o efeito no fluxo cambial será irrelevante.

As decisões virão por medida provisória. O entendimento predominante fora do governo é o de que medida provisória não pode mudar disposição de matéria cuja regulamentação deve ser feita por lei complementar, como está no art. 192 da Constituição. Este é o tipo de ilegalidade cujo questionamento pode não ter interessados.

As mudanças vêm na direção da liberação do câmbio. Por isso, ficam ainda mais despropositadas as sugestões de que o governo imponha controles sobre o fluxo de moeda estrangeira, como feitas ontem pelo ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira.

É vitória ainda parcial na direção da modernização da economia. É um bom começo.