Título: Doha morreu e Brasil não reage
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/07/2006, Economia & Negócios, p. B13

Sei que o leitor atento deve estar estranhando o título da coluna porque é o mesmo de 26 de março. Naquele dia, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, afirmou que "as negociações estavam na hora da verdade".

E a coluna contestou.

"Não. Não estamos. Já morreram, foram enterradas e não aceitam visitas..." Todos os países grandes importadores estão fazendo acordos bilaterais de peso, com exceção do Brasil.

Houve logo uma gritaria em Brasília. Eram os ingênuos ou irrealistas que rejeitavam a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e acreditavam que ainda seria possível continuar negociando na OMC. Há chance de dar certo, sim, refutavam; tudo o mais era pessimismo prematuro.

Mas, para qualquer observador independente, descompromissado, era evidente que, basicamente por questões de política interna nos principais parceiros, EUA e União Européia, não havia interesse em fazer concessões aos países agroexportadores. Por que prejudicar seus agricultores alimentados por poderosos lobbies, em favor de outros, estrangeiros?

O BANDIDO E O MOCINHO

Em Doha, foi a Europa, principalmente a França, que bloqueou as negociações. Os EUA fizeram o papel de negociar sério e concedente. Dissemos até na coluna de 26 de março que "as negociações de Doha já estavam em coma profundo na UTI. Na UTI de Genebra haviam recebido algum oxigênio dos EUA, mas morreram".

A União Européia era a opositora radical a qualquer concessão mais significativa na política de abertura do comércio agrícola. Agora, em Genebra, as posições se inverteram; os europeus eram os mais abertos, e os americanos, os intransigentes. Chirac chegou a ser até grosseiro com o presidente Lula ao dizer que o Brasil quer tudo para si mas não cede nada.

Acreditem, mas desta vez nem se chegou a discutir o ponto que seria o segundo e mais delicado, o da abertura industrial dos países agroexportadores que estavam pedindo vantagens no comércio agrícola. Este sempre foi um ponto polêmico levantado com veemência no Brasil. Ninguém vai ceder nada e enfraquecer nossa indústria.

Conclusão: deu no que os mais descomprometidos previam e a OMC sai enfraquecida, pois, após anos de reuniões nos países mais exóticos do mundo - nunca entendi por que não eram sempre na sede da OMC, em Genebra -, os EUA passaram a fazer acordos bilaterais com quem quisesse, até setembro de 2007, quando o Congresso tira do presidente o direito de decidir sobre esses temas. São acordos comerciais em que concediam a um parceiro isolado o que negavam aos 140 países da OMC. Assinaram acordo até com a Austrália, antes fiel seguidora e semilíder dos países agroexportadores, nossa amiga fraterna.

Chegamos, naquela mesma coluna, a prever uma virada na posição dos EUA, que continuavam intensificando e apressando mais acordos bilaterais.

PUNIÇÕES DA OMC? ORA...

Mas, e as punições da OMC para quem rompe as regras? E algum país desenvolvido liga para isso? Até hoje os americanos não cumpriram a condenação solene da OMC no caso do algodão, e nós, em vez de retaliar, preferimos negociar.

BRASIL, O MAIS ATINGIDO

O Brasil é o país que vai pagar o maior preço pela morte de Doha, pois, enquanto outros mais realistas faziam acordos isolados, nós não fizemos nenhum. Ficamos modorrando num Mercosul, primeiro fragmentado e internamente conflituoso e agora politicamente enfraquecido com a adesão da Venezuela de Chávez e a presença do Fidel Castro na última reunião do grupo, em Buenos Aires.

PODE RESSUSCITAR?

A previsão é de que as negociações fiquem paradas, talvez por dois ou três anos. Se isso ocorrer, seremos os maiores perdedores, afirma, com o peso da sua respeitabilidade e conhecimento, o prof. Marcos Jank em entrevista à colega Patrícia Campos Mello, publicada no Estado do último domingo.

Para ele - e respeito muito sua opinião de jovem otimista com grande vivência nos EUA - a rodada está suspensa, não morta. Ela pode renascer depois dessa crise, com Pascal Lamy como o salvador. Aí os países podem, no desespero, aceitar. Senão, teremos pelo menos de dois a três anos de pausa antes que se reiniciem as negociações.

E a coluna conclui: como o agronegócio brasileiro está imerso em plena crise, ficamos em situação ainda mais delicada. Isolados e frágeis diante de competidores poderosos. Resta-nos a China e alguns países da Ásia, mas eles nem são importadores de "agronegócios", mas apenas de produtos agrícolas ou minerais. Os "negócios" ficam com eles. Importam matéria-prima da gente e nos exportam essas mesmas matérias-primas industrializadas.

Doha morreu, sim. Está enterrada e não aceita visitas...

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