Título: Tratador de sanguessugas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/07/2006, Notas e Informações, p. A3

O comportamento de certos homens públicos às vezes parece de todo inexplicável, até que se o compare com condutas pregressas suas, oportunidade em que podem vir à tona notórias coincidências - ou coerências...

Muitos talvez não se lembrem de que o presidente da CPI do Mensalão, a única comissão parlamentar da grande crise (houve a dos Correios, a dos Bingos, afora os processos no Conselho de Ética da Camara dos Deputados) que malogrou por completo, a ponto de nem chegar a apresentar relatório (por alegada perda de prazo) é o mesmo relator da CPI dos Sanguessugas que, sistematicamente, tenta jogar água na fervura e "esfriar" os trabalhos de apuração, à medida que se avolumam as provas contra um enorme número de suspeitos de fraude, entre parlamentares federais, altos escalões do Executivo (inclusive um ex-ministro), prefeituras pelo País afora e empresas. Aqui nos referimos ao senador Amir Lando (PMDB-RO).

O senador, candidato peemedebista a governador de Rondônia, surpreendeu seus pares, na CPI dos Sanguessugas, ao defender uma tese esdrúxula, para dizer o mínimo. Ele pretendia deixar de notificar a mais de uma centena de envolvidos no vasto escândalo do superfaturamento de ambulâncias e fraudes praticadas pela via de emendas orçamentárias e outras falcatruas diretas em âmbitos ministeriais e municipais, conforme o longo depoimento, repleto de material probatório, prestado pelo empresário Luiz Antonio Trevisan Vedoin (sócio da Planam) à Justiça de Mato Grosso.

A idéia de Lando era dividir a apuração em duas partes, uma para antes e outra para só "depois das eleições". Para antes, constariam de um relatório parcial apenas os nomes contra os quais houvesse provas "convincentes" e "exuberantes" - não explicando o senador como haveria de eximir da subjetividade de juízo a noção do que fosse "convincente" ou "exuberante". Para ele não havia necessidade de notificação porque a lista contendo a parcela de suspeitos "cabais" poderia ser encaminhada diretamente aos Conselhos de Ética das Casas Legislativas - que não têm as prerrogativas investigatórias das CPIs. Assim, pelo que sabemos dos resultados finais desses processos - com votação secreta em plenário, ainda mais em pleno recesso branco para campanha eleitoral -, notória era a calibragem de temperatura do forno para a grande pizza.

Mas tanto o presidente da CPI, deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), quanto o vice-presidente, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), não parecem concordar com os panos quentes da relatoria peemedebista, pois se dispuseram a notificar os suspeitos e não dar solução de continuidade aos trabalhos de apuração, independentemente do período eleitoral. Cogitam, inclusive, saber das Mesas das Casas Legislativas qual a interpretação a ser dada sobre os mandatos dos parlamentares suspeitos que se reelegerem. Jungmann afirma que já existem provas incriminadoras suficientes para 80% dos citados na grande lista e o sub-relator da CPI, Carlos Sampaio (PSDB-SP), anuncia que até o fim desta semana deixará pronta a lista dos nomes a serem notificados.

Qual a razão que levaria o PMDB a pressionar aquele que indicou para representá-lo, como relator da CPI dos Sanguessugas, para que vá ralentando o quanto possível os trabalhos da comissão? Essa posição,aliás, não combina muito bem com o que disse um dos dois mais governistas dos congressistas do PMDB, senador José Sarney (o outro é o senador Renan Calheiros) que, em sua última coluna na Folha de S. Paulo escreveu, literalmente: "O que caracterizou a legislatura que se finda foi a corrupção e, para piorar, o número de participantes. Alguma coisa deve estar errada e vai além das pessoas. Por que tantos chafurdaram no "valerioduto"? Por que tanta gente se meteu com as ambulâncias? Com os bingos? Com os Correios? Faliu a decência?"

Se, realmente, com toda sua profunda experiência em parlamento e em administração pública o ex-presidente da República e do Congresso Nacional não tem a mínima idéia do "por que" de tantas bandalheiras em curso no espaço público nacional, sem dúvida é urgente que se dê prosseguimento a profundas investigações, independentemente de quaisquer eleições.