Título: 'Não me deixe sem oxigênio', pede deputado à quadrilha sanguessuga
Autor: Sônia Filgueiras
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/07/2006, Nacional, p. A4

Abertos, cruzados e analisados, os dados de um acervo de 32 CD-ROMs da CPI dos Sanguessugas formam aquela que pode ser considerada uma das mais completas radiografias do propinoduto operado pelos empresários Darci Vedoin e Luiz Antônio Vedoin, proprietários da Planam, em favor de uma centena de parlamentares. Apesar da sofisticação da corrupção - o que permitiu à Planam controlar as senhas secretas de acesso à tramitação das emendas dos parlamentares ao Orçamento-Geral da União -, a relação entre deputados, senadores, os assessores deles e os empresários do esquema de corrupção também era permeada por ameaças e pactos, ao melhor estilo das operações de caráter mafioso.

Nas gravações legais feitas pelos agentes da Polícia Federal, um funcionário do gabinete do deputado Raimundo Santos (PL-BA) chega a mandar um recado ao empresário Luiz Antônio Vedoin, além de deixar clara a utilidade eleitoral do esquema. O assessor diz que a ambulância do acerto precisa chegar logo ao município de São Félix, pois, do contrário, o deputado pode perder a eleição. Nesse caso, ameaça o assessor em nome do deputado, "não precisa procurar ele para mais nada em Brasília".

Numa conversa cruzada, envolvendo um contador, a PF ficou sabendo que o deputado Marcos Abramo (PP-SP) "brigou querendo a parte dele". O deputado Eduardo Seabra (PTB-AP) adotava outra técnica: ele foi flagrado pelas escutas implorando a Darci Vedoin: "Não me abandone, não me deixe sozinho." E acrescenta: "Sem oxigênio."

O assessor da deputada Elaine Costa (PTB-RJ), Marco Antônio Lopes, também tem um estilo cordato de cobrança: "Posso falar para a deputada que os 10 mil ela precisava (...) você arrumou?" O assessor era ex-funcionário da Planam e foi preso pela Polícia Federal na operação Sanguessuga.

MINÚCIA

Havia deputado que colocava o gabinete "à disposição" da Planam para acertos. Em várias gravações, esses acertos são apelidados de "negócio bom". Assessores dos parlamentares ligavam para os empresários do esquema Sanguessuga tratando com a maior naturalidade das propinas dos "chefes". Os empresários eram chamados de "patrão".

O controle da Planam sobre os negócios, a tramitação e a liberação das emendas ao orçamento, a entrega das ambulâncias e o pagamento das propinas, revelado pela minúcia das planilhas apreendidas nos escritórios e computadores da empresa, expõem o nível de impunidade com que o esquema era operado. As planilhas chegam a registrar quem recebia "em espécie", informação acompanhada dos números das contas dos parlamentares, dos respectivos bancos e até CPFs. A deputada Elaine Costa é uma das que estão nessa contabilidade e associada aos tais R$ 10 mil. Mais intimidade: na planilha do livro-caixa eletrônico, o deputado Almeida de Jesus (PL-CE) é tratado por "Almeidinha".

No negócio do esquema sanguessuga a Planam comportava-se como uma investidora inflexível: sem emenda, nada feito. Recebia pressões, mas também ameaçava. O deputado Fernando Gonçalves (PTB-RJ) aparece na contabilidade recebendo um depósito de R$ 50 mil, em 2002. Nos grampos legais da PF, os Vedoins acertam o pagamento parcelado de propina - "R$ 20 mil, R$ 30 mil" -, mas revelam preocupação com o risco de um possível mau negócio: "Não vou dar (dinheiro) na semana que vem. Se ele não colocar (a emenda), é jogar dinheiro fora." Não raro, o deputado recebia adiantado o dinheiro da propina, com a promessa de fazer a emenda para financiar a futura compra das ambulâncias pelos prefeitos.

Os registros da Planam mostram pelo menos dois repasses para Cabo Júlio (PMDB-MG). Alessandra Vedoin, empresária do grupo que fazia negócios em família, reclama de um prefeito mineiro e diz que, em represália, iria suspender "o cheque do Cabo Júlio". Um personagem emblemático, o deputado cassado Ronivon Santiago (PP-AC), aparece intermediando de maneira explícita os negócios sanguessugas e garante a Darci Vedoin que o deputado João Correa (PMDB-AC) "vai fazer uns dois ou três". E Darci, agradecido, retribui dizendo que faria algo pelo deputado.

Em outra intermediação, Ronivon avisa Luiz Antônio Vedoin que o deputado Mário Negromonte (PP-BA) será o líder da bancada do PL. "Ficou bom", responde o empresário. Negromonte virou mesmo líder na Câmara e a PF descobriu que a Planam também controlava as senhas de acompanhamento das emendas do deputado baiano.