Título: Universidades eleitorais
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/07/2006, Notas e Informações, p. A3

A expansão do ensino superior custeado pela União tornou-se uma das principais moedas eleitorais para os políticos que disputam um mandato no pleito de outubro próximo. Candidato à reeleição no Amapá, o senador José Sarney (PMDB) defende a criação da universidade federal do Oiapoque. Candidata a governadora do Maranhão, sua filha, a senadora Roseana Sarney (PFL), reivindica a criação de quatro instituições. E, em Goiás, a bancada federal apresentou projetos para a criação de nove universidades federais. O detalhe é que, no Amapá, mais de 50% dos eleitores não completaram o ensino fundamental; no Maranhão, 46%; e, em Goiás, um terço. Ou seja, esses Estados precisam de escolas para o ensino básico e não de universidades.

O maior interessado na expansão das universidades federais, com o descarado objetivo de atrair votos, é o próprio presidente da República. Apesar do abandono das 55 universidades federais já existentes, muitas das quais carecem de verbas para conservação de prédios, laboratórios e bibliotecas, pagamento de contas de água, luz e telefone e para a contratação de professores, nos últimos meses Lula ordenou a criação de 10 novas instituições e de mais 48 campus, em 20 Estados. Não por acaso, os exames vestibulares dos 476 cursos recém-criados foram marcados para o período de junho a setembro deste ano. Ou seja, em plena campanha eleitoral.

Animados com os dividendos eleitorais que podem ser propiciados por essa oferta desordenada de vagas e de contratação de professores e servidores administrativos para as novas unidades, senadores e deputados federais seguiram o exemplo de Lula. Tramitam no Congresso projetos de criação de 68 novas universidades federais em 24 Estados. Ao todo, entre promessas do presidente da República e projetos de parlamentares, são 128 novas escolas superiores, o que equivale a 5 por Estado.

"Governo e Congresso entraram numa espécie de orgasmo universitário. Todo mundo quer criar uma universidade pública, como se isso fosse resolver o problema educacional do Brasil", afirma o deputado mineiro Paulo Delgado, relator da polêmica proposta de reforma universitária do Ministério da Educação. A opinião é insuspeita, pois Delgado é um dos mais atuantes e respeitados parlamentares do PT, o partido de Lula. Por ironia, no mês passado, ao enviar essa proposta ao Congresso, Lula enfatizou que em seu governo "o ensino é uma prática, não uma bandeira" e se apresentou como o presidente da República "que fez mais que todos pela educação".

Embora muitos dos cursos criados por essa estratégia demagógica do governo sejam baratos e pouco profissionalizantes, como é o caso de jornalismo e assistência social, e muitas das novas instituições devam funcionar em salas improvisadas, nada impede o presidente-candidato de "visitar obras" e divulgar em palanque projetos que não saíram do papel e que demorarão anos para serem implementados. Essa acintosa utilização da rede federal de ensino superior com propósitos eleiçoeiros, por parte do presidente-candidato, é só um dos lados do problema.

O outro diz respeito à maneira irresponsável como o ensino vem sendo tratado ao longo de sua gestão. Como apontam relatórios das avaliações do próprio MEC e estudos de organismos multilaterais, o problema da educação está, essencialmente, na péssima qualidade do ensino fundamental. Isso foi comprovado pela Prova Brasil, cujos resultados acabam de ser divulgados. Aplicado em novembro último a 3,3 milhões de alunos em 40.920 escolas públicas urbanas de 5.398 municípios, a Prova Brasil revelou que a grande maioria dos estudantes do ensino fundamental tem dificuldades de ler textos com mínimo de complexidade, compreender problemas, identificar o tema de narrativas e escrever redações simples.

Por isso, ao destinar recursos escassos à expansão desordenada do ensino superior público, que hoje já consome dez vezes mais do que o governo gasta com educação básica, Lula foi muito além de cometer um estelionato eleitoral para garantir os votos necessários à sua reeleição. Ao deixar de investir no que deveria ser a prioridade número um do País, mantendo com isso a má qualidade do ensino básico, ele está privando as novas gerações da formação escolar de que necessitam para vencer na vida.