Título: 'Socialismo é declaração de amor à humanidade'
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/07/2006, Nacional, p. A12

Entre comícios e discursos, na semana passada, a candidata do PSOL à Presidência, senadora Heloísa Helena (AL), deu dois depoimentos ao Estado. Num deles, assumiu a condição de militante do Secretariado Unificado da 4ª Internacional. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como a senhora vê a presença de tantos grupos com um discurso revolucionário na sua campanha?

Com naturalidade. Sou socialista, mesmo achando que não vou vivenciar a mais bela declaração de amor à humanidade, que é o socialismo, um regime que diz: "De cada um conforme sua possibilidade, a cada um conforme sua necessidade." Não existe nenhum país vivenciando essa experiência no planeta Terra, que é um socialismo democrático, como eu defendo. Quando alguém me fala de luta armada eu respondo brincando: esse pessoal não sabe nem mexer com canivete, como vai falar em luta armada?

A senhora tem uma militância na 4.ª Internacional?

Sim.

Como é isso?

Tenho ligação com os dirigentes. A gente se reúne para discutir o presente, o futuro.

A formação do seu partido foi apoiada pela 4.ª Internacional?

Foi.

A senhora discutiu com eles?

Esses detalhes não vou dizer.

Por quê?

Porque não.

Mas não seria mais transparente?

Não vou dizer.

Assessores do governo cobram a senhora por não deixar claro que o inimigo principal, do PT e do PSOL, é a volta do PSDB.

O inimigo principal é a representação do projeto reacionário, neoliberal brasileiro, representado pelo governo Fernando Henrique Cardoso e pelo governo Lula. A partir do momento em que o Lula assume a Presidência pelas mãos livres e belas do povo brasileiro, e legitima o projeto neoliberal, isso foi mais grave ainda, pois amordaçou toda a resistência dos movimentos sociais.

A senhora poderia apoiar Lula no segundo turno?

Eu penso que vou estar no segundo turno.

Como a senhora vê a atuação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez?

Compreendo as diferenças que separam o Chávez do George W. Bush. Um simboliza a resistência ao projeto neoliberal na América Latina. O outro, que é o império do mundo, simboliza guerras, assassinatos. Mesmo compreendendo essas diferenças, se eu tiver a honra de chegar à Presidência, aqui não vai mandar nem o Chávez nem o Bush. Cada um tomará conta de seu país e nós teremos todas as relações que forem do interesse do povo brasileiro.

A senhora está preparada para a hipótese de perder a eleição?

Estou preparada para as duas tarefas. Para ganhar a eleição e para retornar à Universidade Federal de Alagoas.

A senhora se considera preparada para ocupar a Presidência?

Se eu tivesse esse sentimento de despreparo para ocupar a instância máxima de decisão política jamais iria fazer campanha. Eu me sentiria uma vigarista. Claro que reconheço que ninguém é completamente preparado para agir em todas as áreas. Isso é humanamente impossível. Mas desde os tempos da universidade sempre fui interessada em problemas de governo, sempre me dediquei a lidar com políticas sociais, com orçamento, a compatibilizar receitas e gastos. As pessoas dizem que eu ainda não superei a fase dos por quês: Por que esse gasto? Por que esse dinheiro?

A senhora fala em abaixar os juros. Isso seria feito por decreto?

Existem vários decretos presidenciais que estruturam a rotina do Banco Central. São decretos que definem o cálculo de inflação, que alteram a meta da inflação e muitos outros. Mas não haverá a necessidade de um decreto para mudar os juros. Eles são definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que, em meu governo, terá outros integrantes, de acordo com nossa visão. Queremos um crescimento de pelo menos o dobro do atual e juros compatíveis, da ordem de 6,5%.

A senhora não teme uma reação dos investidores estrangeiros?

A legislação impede a fuga. E eles iriam para onde? Para a Turquia? Eles ficarão.