Título: Heloísa, uma pregadora nas ruas
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/07/2006, Nacional, p. A12

Concorrente nanica que ameaça virar gente grande na campanha, a senadora do PSOL Heloísa Helena passou a semana entre dois mundos. Um deles é o da militante da 4ª Internacional, organização com sede em Paris que reúne entidades e lideranças de várias partes do mundo, uma das sucessoras de um agrupamento internacional fundado pelo líder revolucionário russo Leon Trotski. O outro é o mundo de uma candidata que já reuniu 10 milhões de votos, conforme os institutos de pesquisa.

Heloísa diz que tem dois adversários, a "farsa política" e a "farsa técnica", ou seja, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. Sua campanha tem sido estimulada descaradamente pelos caciques do PFL e do PSDB, que nela vêem a alavanca à esquerda para assegurar um segundo turno, e hostilizada na mesma medida pelo Palácio do Planalto. Diz um assessor de Lula: "Não condenamos uma candidatura própria. Mesmo nossa história foi assim. Mas ela não distingue os adversários, não diz que a prioridade é vencer o Alckmin".

Nos últimos dias, a campanha de Heloísa fez pontaria nos antigos eleitores de Lula. Capaz de ler trechos do Evangelho antes dos comícios, a candidata andou em busca de audiência junto às tradicionais bases petistas com seu clássico discurso de pregação e denúncia embrulhada numa retórica de fundamentalista, típica de pastores do tele-evangelismo que dizem manter diálogos diretos com Deus. Após um salto inicial nas pesquisas, surgiram dúvidas sobre sua capacidade de crescimento, reforçando a impressão de que pode ter atingido o teto político.

Na segunda-feira, em São Bernardo, berço do PT, ela fez uma caminhada pelo centro e depois um comício na Igreja Matriz. Não chegou a reunir mais do que 200 pessoas, em sua maioria candidatos, militantes e aliados do PSOL e do PSTU.

Em seguida, um grupo um pouco menor - integrado em parte pelas mesmas pessoas - fez uma caminhada pela Avenida Paulista. Na quinta-feira, ela fez uma passeata em Belo Horizonte e depois foi à siderúrgica Mannesmann. Não faltaram alto-falantes nem bandeiras vermelhas. Mas os operários não apareceram.

Apenas um, o operador de produção Messias Carlos de Oliveira, de 40 anos, parou para falar com a candidata. "O Lula não foi ruim", diz ele. "Mas a Heloísa Helena tem um discurso bom, é uma mulher de ..." E fecha o punho em forma de soco. Centenas de trabalhadores que tomavam o caminho de casa no mesmo horário, rosto lavado e banho tomado, ficaram parados na porta dos ônibus, com panfletos na mão, em silêncio, indiferentes à pregação da senadora.

REDUTO DE LULA

Na manhã seguinte, no Recife, em visita à Ilha de Deus, comunidade de 450 famílias de pescadores e péssimos indicadores sociais, ela chegou cedo e conversou muito. Os moradores observavam que foi a primeira vez que um candidato a presidente visitou o lugar em toda a sua história e que ela foi um dos poucos políticos que não apareceram em companhia de policiais, que mais tarde retornam para cobrar votos e ameaçar.

Ali a senadora visitou a única escola e, quando foi embora, cinco das seis professoras presentes disseram que votariam nela em 1º de outubro. Mas os moradores, que residem em palafitas, não se empolgaram tanto. Uma em cada dez famílias com filhos na escola recebe Bolsa-Escola, programa de ajuda da prefeitura, que também é do PT.

"Este ano ninguém tira a eleição do Lula, ao menos dessa vez", opina Edson Fly, estudante de jornalismo que é uma força local: ator popular, líder comunitário, ativista político e eleitor de Heloísa. Até a mãe do remador que levou a senadora para dar um passeio de barco anunciou voto em Lula, ainda que o filho seja eleitor de Heloísa.

Admirada por seu caráter, a senadora é uma candidata à procura de uma base social. Tem votos avulsos, dispersos e contraditórios. Os eleitores a procuram nos aeroportos, sentam ao seu lado, querem fotos. Na rua, seu olhar atravessa a fronteira de bandeiras vermelhas que faz fronteira entre a militância e o universo dos milhões de eleitores para localizar o cidadão comum na calçada, a senhora que volta das compras, os deserdados de muitas coisas.

A candidata é capaz de deixar o cortejo para um abraço nos eleitores, que localiza com os olhos e vai atrás. Com a mão direita, abençoa as pessoas e às vezes diz amém. As mulheres ficam mais à vontade, se emocionam e estão muito presentes, por identificação, já que a candidata não é uma campeã de causas femininas. "Tenho orgulho dela", disse a funcionária pública Alcione Alves, na Avenida Paulista. "É uma pessoa com princípios."

Para a viúva Maria Jorge dos Santos, de 63 anos, oito filhos, de Belo Horizonte, "está na hora de votar numa mulher". "O presidente é o pai da Nação. Mas, quando o pai não é organizado, os filhos passam necessidade", diz. Professora aposentada de São Bernardo, Nadija Maria Tot foi ver o comício de Heloísa com um cartaz que diz: "Mulher é a solução."

Na sexta-feira, um pai de família aproximou-se dela no Aeroporto de Guararapes, no Recife. Queria tirar um retrato dela com Guilherme, menino de uns três anos, que a candidata colocou no colo e logo chamou de "Gui". O prefeito do Rio, César Maia (PFL), escreveu em seu ex-blog que ela deveria beijar crianças para ganhar votos. "Mãe dá voto", disse. Heloísa, que beija crianças às dúzias, diz que nem soube do conselho e sempre foi assim. "Elas me procuram."