Título: Todos dão um jeito de ganhar a vida nas margens da rodovia
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/07/2006, Economia & Negócios, p. B8

Boa ou ruim, com ou sem obras, a BR-116 é o ganha-pão de muitas famílias que vivem à margem da rodovia. É com a venda de amendoim, castanha de caju e artesanatos que muitos põem dinheiro dentro de casa e compensam a falta de emprego nas cidades próximas da chamada Rio-Bahia. Isso vale para crianças, jovens e adultos, que se desdobram para ganhar dinheiro. E, como dizem por lá, ¿De graça, Deus já fez o mundo.¿

Na falta de pára-brisas para limpar, já que os caminhões são altos, os ¿flanelinhas¿ da Bahia encontraram uma alternativa para ¿descolar¿ um trocado. Com uma pequena marreta, Leandro Silva de Oliveira, de 13 anos, detecta se os pneus dos veículos estão calibrados. ¿Se a marreta subir, o pneu tá cheio¿, afirma ele, que aprendeu a técnica com os caminhoneiros.

Morador de Jequié, ele passa o dia na BR-116. Sai de casa às 7 horas da manhã e fica na rodovia até às 18 horas. O ponto escolhido é o trecho em obras, entre Jequié e Manuel Vitorino. Lá, ele consegue ganhar até R$ 8 por dia. Dinheiro que usa para comprar alimentos, já que o pai se recupera de uma mordida de cobra enquanto trabalhava na lavoura. Estudar é uma palavra que não faz parte do futuro de Leandro. Fez apenas a 2ª série do ensino fundamental e não tem planos de voltar à escola. ¿Não gosto de estudar.¿

A falta de emprego na região também levou Edvaldo Rosa Silva, de 26 anos, para a margem da rodovia. Ele vende amendoim e castanha de caju, que lhe rendem por dia cerca de R$ 15. Com esse dinheiro, ele sustenta a mulher e os dois filhos, de 3 e 8 anos. Para chegar ao local de trabalho, costuma pegar carona com os caminhoneiros. ¿Não dá para vir de ônibus, custa muito caro¿, diz ele, que trabalha das 7 às 17 horas. Nesse período, ele só come se alguém oferecer alguma coisa. Caso contrário, refeição só quando chegar em casa. Ele explica que quando não está vendendo amendoim na estrada, faz vassoura - uma vocação dos moradores da cidade.

Saindo de Jequié rumo à divisa com Minas Gerais, a cidade de Manuel Vitorino é ponto de parada para muitos motoristas, pelo menos os de carros de passeio. Os moradores do município, de 16.575 habitantes e famosa pela produção de umbu (fruta típica da região), montaram à beira da estrada uma feira de artesanato com cerca de 16 barracas. Uma oportunidade para quem ainda não comprou uma lembrancinha da Bahia.

No quiosque de Manoel Barbosa de Souza, de 43 anos, é possível comprar berimbau, carrancas, vasos de cerâmica e souvenirs. Alguns objetos são feitos na própria cidade, outros vêm de outros municípios, como Porto Seguro, diz ele, que foi um dos pioneiros no local. Há 18 anos ele tem barraca na BR-116. Mas começou vendendo umbu. ¿Na época da colheita, corre muito dinheiro na cidade. Estão querendo fazer uma fábrica para produzir poupa de umbu. Se isso acontecer, vai dar muito emprego para o povo daqui¿, diz ele, esperançoso.

Moroni Sampaio de Oliveira, de 14 anos, também ganha uma ¿graninha¿ na rodovia. Ele passa pretinho nos pneus de carros e caminhões e consegue faturar até R$ 13 por dia. Paulista, ele conta que está passando uma temporada na casa dos avós em Poções, a 444 km de Salvador. É uma cidade de 45 mil habitantes, grande produtora de fava e tomates na Bahia. Apesar do clima semi-árido, as plantações são feitas graças ao processo de irrigação.

Moroni deve ficar na cidade até dezembro. Depois volta para São Paulo, onde os pais continuam morando. Ele garante que, apesar da mudança, continua na escola. ¿Só fico aqui na estrada à tarde. De manhã vou para a escola e no final do dia vou com os amigos jogar futebol num campinho perto da rodovia.¿ Moroni diz que prefere São Paulo a Poções. ¿Mas aqui é melhor para criança ganhar dinheiro¿, afirma ele, feliz por ter comprado um par de chinelos Havaianas no dia anterior, e com o próprio dinheiro.