Título: Na BR-116, obstáculos à espera da PPP
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/07/2006, Economia & Negócios, p. B8

Um pouco apagada, mas ainda visível, a placa chama a atenção do motorista: ¿Curva perigosa, diminua a velocidade¿. Numa descida, o caminhoneiro ignora o alerta e entra ¿chutado¿ na curva. A carroceria balança, fica meio desequilibrada, mas, por sorte, o veículo sai ileso e não provoca um acidente.

Quilômetros adiante, Paulo de Souza Lima não tem a mesma sorte. Ao lado do caminhão tombado, ele respondia aos curiosos que se aglomeravam ao redor: ¿Foi uma fechada. Uma fechada de olho¿, zombava ele da própria desgraça. O acidente ocorreu à noite, enquanto levava uma carga de Estiva, em Minas Gerais, para Salvador, na Bahia. ¿Estava muito cansado, sem dormir direito há vários dias¿, confessou o motorista, que, por sorte, saiu sem nenhum arranhão.

Cenas como essas são constantes na BR-116, no trecho entre Feira de Santana, na Bahia, e a divisa com o Estado de Minas Gerais. Além de a condição da estrada não contribuir, alguns motoristas ultrapassam os limites da lei, põem em risco a sua vida e a de outros que circulam pela rodovia.

A reportagem do Estado foi conferir como é a estrada que vai inaugurar a primeira Parceria Público-Privada (PPP) do governo federal. Apesar de o processo estar em avaliação, as obras de recuperação - que numa PPP caberiam à iniciativa privada - já começaram com o dinheiro do governo federal.

Foram 637 km de distância entre Salvador e a divisa com o Estado mineiro, onde se viu de tudo: negligência, impaciência, obras e um traçado para lá de antigo. Longas retas, sem sonorizadores para alertar motoristas cansados, terminam em curvas fechadas, muitas vezes sem sinalização. A pista tem mão dupla, é estreita e com um acostamento longe de ser o ideal para uma rodovia cujo fluxo é predominantemente de veículos pesados.

Caminhões, carretas, caminhonetes, cegonheiras e caminhões-tanque congestionam a estrada. Carros de passeio são poucos. Talvez pelo perigo que a estrada representa ou pelo fluxo intenso de veículos de carga. É muito comum encontrar comboios de até dez veículos. Isso acontece de minuto em minuto. O problema é a pressa.

As placas de sinalização não comovem os caminhoneiros. Se o permitido é 80 km por hora, eles vão a 100 km, especialmente na descida e independentemente da carga. Se há aviso de é proibido ultrapassar e faixas contínuas na pista, esquece. Na BR-116, a regra quase nunca é cumprida. Em alguns trechos, a impressão é que se trata de uma pista dupla. Os caminhões invadem a contramão e, pôr um triz, não colidem com outro veículo. Vale a lei do mais forte. Para evitar desastres, os carros de passeio são obrigados a frear ou ir para o acostamento.

Apesar das obras na rodovia, a qualidade da estrada ainda é duvidosa. Mas os caminhoneiros reconhecem que melhorou muito. Há cerca de três meses, o governo federal deu início a uma série de reformas na BR-116. Nos 637 km percorridos, havia gente do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) trabalhando. Em alguns trechos, como o que fica entre Feira de Santana e Santo Estevão, o asfalto está novinho em folha. Há também funcionários reconstruindo o asfalto em Jequié e Vitória da Conquista, onde a construção causa enormes transtornos. As canaletas estão sendo feitas, já que, em muitos casos, não existia. Em outros trechos, o trabalho é de tapa-buraco.

Os remendos são visíveis. O asfalto preto na pista branca, já velha, mostra que há pouco tempo a situação era crítica. As crateras ainda estão na lembrança dos motoristas. ¿Entre Santo Estevão e Feira de Santana, num trecho de cerca de 75 km, demorávamos cerca de 3 horas e meia¿, diz Manoel Nascimento da Rocha Neto, de 55 anos, 25 deles dentro da boleia do caminhão. Para ele, que anda por quase todas as rodovias brasileiras, as piores estão no Estado. ¿O trecho da BR-324, entre Salvador e Feira de Santana, é a vergonha da Bahia.¿ Essa rodovia também esta incluída na primeira PPP.

Neto conta que não viaja à noite pela BR-116, por causa do perigo da estrada e por exigência da empresa onde trabalha. Normalmente, ele dirige entre 6 horas da manhã e 21 horas. Quanto à velocidade, o motorista afirma que o veículo tem dispositivo que permite andar a, no máximo, 80 km/h. Mas ele reconhece que muitos abusam da sorte. Neto estava levando produto químico de Salvador para São Paulo.

O colega Rumão Batista de Almeida, de 48 anos, seguia na direção contrária. Com uma carga de açúcar, ele saiu de Araras, no interior de São Paulo, com destino a Salvador. Apesar de reconhecer a melhora do asfalto, o motorista é pessimista em relação ao futuro da rodovia. ¿Isso aqui não vai melhorar nunca¿, diz ele, desconfiado e reivindicando a duplicação da estrada, o que não deve ocorrer, segundo o Ministério dos Transportes.

O diretor de Planejamento e Avaliação de Política de Transportes do ministério, Francisco Luiz Baptista da Costa, diz que a PPP só deve duplicar um trecho, entre a BR-242 e a BR-324, próximo de Feira de Santana. Ele explica que as obras não puderam esperar o processo de PPP. ¿A rodovia estava intransitável, não podíamos deixar a situação se agravar.¿ Além disso, a restauração da BR-116 estava prevista no orçamento.

A BR-116 é um corredor de 4,5 mil km, que liga o Sul e o Norte, com significativos volumes de tráfego doméstico e cargas de exportação e importação movimentadas ao longo do trecho entre Feira de Santana e Minas Gerais. Trafegam pela rodovia cerca de 75% da produção bruta do Estado. Em sua área de influência, estão 40% da população da Bahia.