Título: Uma verdade pela metade
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/07/2006, Nacional, p. A6

As suspeitas de que os ataques do crime organizado em São Paulo teriam motivação política, levantadas pelo presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, e corroboradas pelos candidatos do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, e ao governo, José Serra, não são meras ilações, mas também não expressam a verdade em sua real dimensão.

As acusações são baseadas em material de gravação da polícia paulista de conversas telefônicas autorizadas pela Justiça, mas não revelam uma ligação direta entre as facções criminosas e o PT. A oposição partiu de dados concretos, mas fez uma adaptação, interpretando as informações da forma eleitoralmente mais conveniente.

Os "grampos" mostram, na verdade, a contrariedade com os governos do PSDB, desde a gestão Mário Covas, por causa da construção de presídios em todo o Estado e da instituição do regime disciplinar diferenciado (RDD), que normatiza as sanções aos presos de alto risco, permitindo, por exemplo, o isolamento por um período de até 1/6 da pena aplicada, e impõe restrições a visitas e banhos de sol.

O assunto foi levado inicialmente ao conhecimento do ex-presidente Fernando Henrique em meados de junho e, desde então, a conveniência de sua divulgação vem sendo tratada internamente pelas cúpulas do PFL e do PSDB.

A exibição das "provas" em que se basearam as declarações dos oposicionistas nos últimos dias é uma possibilidade concreta, principalmente se os autores das suspeitas foram acionados na Justiça.

Ontem o PT entrou com notícia-crime contra Serra junto ao procurador eleitoral de São Paulo, por difamação, e anunciou que vai fazer o mesmo contra Bornhausen, que foi quem fez a afirmação ligando o PT às ações do crime organizado, cumprindo o papel de atacante radical reservado ao PFL na aliança tucano-pefelista.

Serra e Alckmin mantiveram-se no limite da ilação, manifestando "estranheza" quanto à ocorrência de ataques no período eleitoral. Em princípio, o que pareceu estranho mesmo foram essas declarações aparentemente baseadas em coisa alguma e com potencial de risco grande para seus autores, pois evidentemente seriam cobrados a apresentar provas.

Ao que se sabe, estariam municiados pelas gravações que, no entanto, não indicariam participação do PT em nenhum conluio com criminosos, mas apenas evidenciariam a insatisfação destes com o governo local, ocupado há 12 anos pelo principal partido adversário dos petistas na eleição presidencial. Sendo só isso mesmo, tudo indica que a oposição carregou nas tintas - para dizer o mínimo - ao fazer acusações graves baseada em meias-verdades.

Vara curta

O presidente Luiz Inácio da Silva tem recebido sugestões para acionar a Advocacia-Geral da União e cobrar na Justiça do senador Antonio Carlos Magalhães os ataques que o baiano vem fazendo.

ACM não perde a oportunidade de, seja da tribuna do Senado, seja em eventos de campanha, chamar Lula de ladrão.

A equipe do presidente ficou de pensar.

Para constar

Se a oposição quisesse falar sério mesmo e não apenas criar constrangimentos eleitorais, obrigando o presidente da República a vetar aumento de 16,6% aos benefícios previdenciários aposentados, bastaria se organizar para derrubar o veto presidencial no Congresso.

Não o faz por dois motivos: não quer assumir o ônus da despesa adicional de R$ 7 bilhões sem fonte de recursos prevista no orçamento e, mesmo que estivesse disposta ao risco, não conseguiria reunir Câmara e Senado para a votação.

Pela Constituição, vetos são examinados em sessões conjuntas do Congresso, que se reúne também para votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias e créditos suplementares, mas há muito não discute vetos.

Ao todo há 500 vetos presidenciais pendentes, à espera de votação, alguns deles de 1994, do governo Itamar Franco.

Os aposentados cobram do Parlamento a derrubada do veto ao reajuste, a oposição faz discurso pregando a votação, mas, na realidade, ninguém se mexe.

O jogo do faz-de-conta, como se vê, é de ampla aceitação. No governo e na oposição.

Faro fino

Anthony Garotinho, Itamar Franco, Michel Temer e seus rapazes da banda oposicionista do PMDB, todos até agora em cima do muro - sendo que os pemedebistas já estão encostando a escada para descer em terreno petista -, preparam-se para declarar apoio a Geraldo Alckmin.

Bem dizia o tucano que as primeiras pesquisas com índices favoráveis a ele curariam feridas e dissipariam divergências.

É o senso de oportunidade dos políticos, popularmente também denominado oportunismo.

O vaivém, principalmente no PMDB, está sendo devidamente registrado. Os mais precipitados, que correram para a canoa governista antes do tempo, estão no sal.

Interessante será observar os movimentos de suas excelências caso os números voltem a ser franca e firmemente favoráveis a Lula.