Título: Qual o propósito do G-8?
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/07/2006, Economia & Negócios, p. B4

Este fim de semana os líderes das oito principais democracias industrializadas, eu próprio e o primeiro-ministro finlandês, Matti Vanhannen, em nome da UE, participaremos da Cimeira do G-8 em São Petersburgo.

No entanto, com apenas a UE e 8 dos quase 200 países do mundo sentados à roda da mesa, dificilmente se poderá dizer que o fórum é representativo. Também não se trata de um grupo de negociação. Quando os participantes chegam a um consenso, as suas decisões nem sequer são juridicamente vinculativas.

Mas o G-8 tem uma grande força. Dá aos líderes mais poderosos do mundo a possibilidade de assumirem pessoalmente responsabilidades em relação a questões de importância mundial e de selarem compromissos cada vez mais fortes com os centros de poder emergentes nos países em desenvolvimento sobre questões que nos interessam a todos.

A cimeira desta semana não será diferente e há uma questão que exige especial atenção: a segurança energética.

O mundo entrou numa nova era, dominada pelo aumento da procura de energia à escala internacional, preços do gás e do petróleo voláteis e elevados e o desafio das mudanças climáticas. Basta olhar para a Europa - os números contam a história da transformação do nosso panorama energético. Os preços do gás e do petróleo quase duplicaram nos últimos dois anos. A dependência da Europa em relação às importações deverá atingir os 70% em 2030. O subinvestimento é uma realidade em toda a cadeia energética global - são necessários mais de 16 trilhões nos próximos 20 anos para responder à procura energética e substituir infra-estruturas obsolescentes.

Saúdo, pois, a decisão do presidente Putin de colocar a segurança energética no topo da agenda da presidência russa do G-8. O G-8 inclui os principais países de consumo, produção e trânsito de energia. Todos deveriam ter interesse em promover um mercado energético seguro e estável e condições de concorrência eqüitativas.

Mas a segurança energética não se consegue com soluções improvisadas à medida que surgem os problemas. Temos de considerar a cadeia energética na sua globalidade, desde a produção até o consumo, o que implica a consideração de questões como a diversificação da combinação das várias fontes energéticas - incluindo as energias renováveis e a energia nuclear para os que a querem -, o trânsito, a eficiência energética, as tecnologias energéticas limpas e a eficácia dos quadros normativos.

Precisamos de um conjunto de princípios comumente acordados que ajude a orientar todas as partes interessadas e que crie uma verdadeira interdependência assente na confiança mútua. Um tal quadro fomentaria a emergência de um clima de investimento seguro e transparente e a existência de mercados operantes e competitivos. Ambos os aspectos são essenciais para que consigamos desbloquear os poderosos investimentos necessários para o sector energético nas próximas décadas.

A UE está assumindo um papel de liderança. No início do ano, a Comissão Européia propôs aos governos da Europa um novo enquadramento energético. A sua resposta foi positiva: começaram por convidar a Comissão Européia, na cimeira de março, a definir uma política energética para a Europa e, no mês passado, acordaram os princípios da segurança energética externa, a fim de garantir que a política externa da UE contribua plenamente para a consecução dos objetivos energéticos da Europa.

Esses princípios estão na base do acordo conseguido na cimeira UE/EUA do mês passado, para reforçar a cooperação estratégica transatlântica no domínio energético e lançar um diálogo de alto nível para dar resposta ao desafio grave e de longo prazo das mudanças climáticas.

Mas os desafios energéticos do século 21 não se confinam às fronteiras da Europa. A segurança energética é um desafio global que requer soluções globais. É precisamente aqui que o G-8 é importante, temos de mostrar o caminho a seguir e nos empenhar num novo quadro de princípios que permita que todas as nações contribuam para o objetivo comum da energia segura, acessível e sustentável.

Ao focalizar a energia, não devemos perder de vista outro desafio global de longo prazo: acabar com a pobreza extrema. É necessário concretizar o principal resultado da cimeira do G-8 do ano transacto em Gleneagles - um pacote global para acelerar os progressos da África na consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Também nesse contexto, a UE assumiu um papel central ao decidir duplicar o volume da ajuda até 2010, para garantir ao continente africano 80% dos US$ 50 bilhões acordados em Gleneagles, e ao avançar com a concretização progressiva do nosso compromisso de permitir a entrada na UE sem direitos nem quotas de todos os produtos, exceto as armas, provenientes dos 50 países mais pobres do mundo.

Mas temos de continuar a cumprir as nossas promessas. Por isso, a Europa avançou este ano com a agenda para o desenvolvimento, comprometendo-se a facilitar o acesso dos países mais pobres à energia, a intensificar o combate a doenças como aids, tuberculose e malária que se propagam de forma desproporcionada e mortífera no continente africano, a adotar novos modelos de cooperação educativa nos e entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos. Agindo desta forma, os líderes do G8 não se limitarão a compassar, mas acelerarão a mudança. Iremos manter o desenvolvimento no topo das preocupações globais,.que é o lugar que lhe pertence.

*Durão Barroso é presidente da Comissão Européia