Título: G-20 aumenta pressão sobre EUA
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/07/2006, Economia & Negócios, p. B5

Na véspera de uma reunião decisiva para o futuro da Rodada Doha durante a cúpula do G-8, neste fim de semana, em São Petersburgo, os países em desenvolvimento e a União Européia (UE) aumentaram a pressão para que os Estados Unidos melhorem sua oferta de redução de subsídios domésticos ao setor agrícola como forma de romper o impasse nas negociações de um novo acordo multilateral de comércio. Após se reunir na noite de anteontem com o comissário europeu para o comércio, Peter Mandelson, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que a proposta de Bruxelas avançou e em alguns pontos está muito próxima do reivindicado pelo Grupo dos Países em Desenvolvimento, o G-20.

"Dizer que a bola da vez está com os Estados Unidos dá a impressão de que ninguém mais tem responsabilidade no processo e me parece uma simplificação, pois todas partes têm de avançar nas propostas num movimento conjunto", disse Amorim, ontem, na embaixada brasileira em Londres, antes de embarcar para a Rússia. "Mas o grande movimento, o impulso, tem de vir dos Estados Unidos, na parte do apoio doméstico ao setor agrícola."

Ele observou que "se houver um sinal claro de que os Estados Unidos estão dispostos a avançar, mesmo de maneira condicional", as negociações poderão progredir. "O que não ficou claro é se os Estados Unidos estão dispostos claramente a dar esse passo", disse. "Mas os americanos têm condições de melhorar sua oferta."

Segundo Amorim, há uma coincidência quase total entre a proposta de redução de apoio doméstico dos europeus e a posição do G-20. "Achamos que a UE avançou bastante e os Estados Unidos têm que cortar substancialmente." Em relação ao acesso aos mercados europeus, através da redução de tarifas e salvaguardas, Amorim disse que há "tendência para uma convergência, mas ainda há uma distância a ser coberta".

O ministro disse que a média do corte de tarifas de importação de produtos agrícolas sinalizada pelos europeus está próxima da proposta pelo G-20. "Mas se você pegar a redução das tarifas por banda de produto, ainda há espaço para Bruxelas melhorar a oferta." Para ele, é fundamental que os europeus expliquem com mais clareza sua lista de produtos agrícolas cujo acesso a países em desenvolvimento é praticamente barrado.

No encontro com Mandelson também foi discutida a melhora na oferta do acesso aos mercados de produtos industriais. "Os países em desenvolvimento não podem fazer o mesmo sacrifício que os países desenvolvidos, senão essa não é uma rodada de desenvolvimento."

De acordo com Amorim, o Brasil tem uma posição flexível em relação ao pedido europeu de maior acesso a seu mercado de bens industriais. "Mas sem baixar o coeficiente a um nível que para nós não seria suportável." Mandelson mostrou disposição em atender aos interesses brasileiros, não apenas no corte das tarifas agrícolas européias, mas também em relação a cotas de exportação com o porcentual do consumo doméstico.

Amorim foi questionado sobre o fato de o G-20 estar mais próximo dos europeus nas negociações, situação contrária à constatada antes da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Hong Kong, no fim do ano passado. "Essas coisas oscilam, os europeus avançaram, não o suficiente, mas avançaram", afirmou. "Antes de Hong Kong era o contrário, pois os americanos tinham avançado no apoio doméstico e deixado a expectativa de melhoras. É natural que os Estados Unidos sejam vistos agora como a bola da vez."

Segundo Amorim, um avanço na oferta americana poderia ser estimulada pelos europeus. "A União Européia tem de estar preparada para fazer um movimento forte em acesso a seus mercados, porque isso permitiria aos americanos uma avaliação melhor do quadro."

Ele demonstrou cautela sobre a possibilidade do impasse na Rodada Doha ser superado durante a cúpula do G-8. "Há uma chance." Mas observou que o G-8 não é o palco mais apropriado para uma negociação comercial. "O ideal é que houvesse uma reunião com formato menor", afirmou. "Mas se sair de lá um mandato, mesmo que oral, para que os negociadores sigam para Genebra (sede da OMC) com a missão de fecharem um acordo, será um êxito." Ele observou que o tema não fazia parte da agenda do evento. "Mas a delegação americana, que inclui a a secretária para o Comércio, Susan Schwab, pediu a reunião bilateral com o Brasil e o diretor da OMC, Pascal Lamy, foi convidado a ir para a Rússia."

Amorim disse que a proposta do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, de transformar o G-8 em G-13, com a inclusão de Brasil, China, Índia, África do Sul e México, é viável. "É uma tendência inevitável." Segundo ele, os eventos no Brasil, Índia e China têm impacto na economia mundial. "Para falar a verdade, mais impacto do que acontece no Canadá", afirmou."É importante lembrar que Brasil e China estão entre os dez maiores PIBs do mundo".