Título: Orçamento impositivo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/07/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente da República será obrigado a executar fielmente o Orçamento da União, com todos os gastos incluídos pelos parlamentares, se for aprovada emenda constitucional proposta pelo senador Antonio Carlos Magalhães. Em primeira votação, na terça-feira, 56 senadores apoiaram o projeto e apenas 1 se opôs à mudança. Se a proposta for vitoriosa em segundo turno, será em seguida enviada à Câmara dos Deputados. Convém desde já debater o assunto mais amplamente, embora a tramitação ainda possa ser longa. O atual processo orçamentário é defeituoso, mas a adoção do orçamento impositivo envolverá riscos importantes para as finanças do governo e para a gestão pública.

O orçamento impositivo é geralmente adotado nas democracias mais desenvolvidas. Parece a solução mais racional, porque respeita, em princípio, a divisão de funções entre o Legislativo e o Executivo. Não elimina o planejamento e a definição de programas pelo grupo governante, nem retira do chefe de governo a iniciativa de propor grande número de leis. Mas condiciona a administração, mais claramente que hoje no Brasil, às decisões negociadas entre situação e oposição.

No processo orçamentário brasileiro, o Executivo tem a obrigação de realizar certas despesas, como o pagamento de salários do funcionalismo e dos encargos associados à administração de pessoal. A distribuição das verbas é também regulada, em boa parte, por vinculações legais. Há no Orçamento muito dinheiro carimbado. Parcelas da receita são destinadas obrigatoriamente a despesas com educação e saúde. Há um importante componente inercial na formulação da proposta orçamentária de cada ano - e isso inclui as transferências constitucionais a Estados, municípios e regiões.

Como pano de fundo, é preciso registrar o baixíssimo grau de liberdade na gestão de recursos humanos, porque a maior parte do funcionalismo é intocável, graças a políticas corporativas muito bem-sucedidas.

Resta, apesar de tudo, algum espaço para despesas "livres". Aí se incluem os milhares de emendas apresentados anualmente pelos parlamentares, durante a tramitação da proposta orçamentária.

O Executivo habitualmente retarda a liberação de verbas para as emendas. Essas despesas são suspensas quando há contingenciamento de recursos. Além disso, nem toda emenda se converte em despesa efetiva, porque o Executivo não é obrigado a fazê-lo.

Essa faculdade pode ser usada politicamente, quando a liberação é negociada ou quando o governo dá preferência, como neste ano, às emendas de autoria de seus aliados. O sistema, portanto, confere ao Executivo um importante instrumento de negociação e de arbítrio. Este é um bom argumento a favor do orçamento impositivo.

Mas há argumentos ainda mais fortes a favor do sistema atual, apesar de seus notórios defeitos. Os parlamentares habitualmente refazem as projeções de receita, para acomodar as despesas de seu interesse. Esse costume envolve riscos importantes para as finanças públicas. É mais prudente subestimar a arrecadação e ampliar as despesas gradualmente, durante o exercício fiscal, se a receita for maior que a estimada.

Ao inflar o Orçamento, os parlamentares contornam o problema da escolha de prioridades. Livram-se, portanto, de uma responsabilidade essencial à definição e à execução de políticas públicas. Há muita diferença entre a mera disposição de gastar, para atender a conveniências político-eleitorais, e a pretensão de influir legitimamente na gestão do País e no uso de recursos públicos.

As emendas são normalmente inspiradas por interesses paroquiais e clientelísticos. De modo geral, são a perfeita negação de qualquer princípio de planejamento econômico, social e financeiro. Na maior parte, sua conversão em gastos é mero desperdício - mesmo quando as verbas não são aplicadas em ambulâncias superfaturadas ou noutras bandalheiras.

O atual sistema, apesar de seus inegáveis defeitos, ainda permite alguma seriedade e alguma racionalidade no manejo de recursos. Isto é facilmente compreensível: no Brasil, só o Executivo é considerado responsável pela saúde das finanças públicas e pela qualidade da política econômica. Nesse ambiente, o orçamento impositivo seria desastroso.