Título: Kirchner perde `guerra da celulose¿ para o Uruguai
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/07/2006, Economia & Negócios, p. B8

O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, amargou ontem a sua primeira grande derrota no âmbito internacional. A Corte Internacional de Justiça de Haia foi favorável ao Uruguai no caso da instalação de duas fábricas de celulose no lado uruguaio da fronteira entre os dois países, que os argentinos queriam impedir sob a alegação de que causariam ¿danos ambientais irreparáveis¿.

Para 14 dos 15 juízes da corte, os argentinos não conseguiram provar esses danos irreparáveis. Por isso, não atendeu ao pedido de ordenar a suspensão das obras. O único voto a favor da Argentina foi do juiz argentino Raúl Vinuesa. Assim, a finlandesa Botnia e a espanhola Ence poderão continuar as obras, que têm conclusão prevista para o ano que vem.

A derrota de Kirchner poderá ter custos políticos. Em 2005, o apoio de Kirchner aos manifestantes que se opunham às fábricas garantiu milhares de votos a seu favor nas eleições parlamentares de outubro. Agora, ele perde um trunfo para as eleições presidenciais de 2007.

Ontem, Kirchner, visivelmente irritado, evitou a imprensa. A chancelaria argentina tentou relativizar a derrota dizendo que o governo estava ¿satisfeito¿, pois a corte deu ¿a garantia de dispor o desmantelamento das fábricas se, durante a substanciação do caso, se demonstre que elas causam danos ambientais irreparáveis¿. Segundo a chancelaria, o governo ¿não cessará os esforços para assegurar que as obras não afetem os interesses¿ do país.

O impacto também foi negativo entre os argentinos da fronteira. Em Gualeguaychú, cidade na divisa com o Uruguai, a decisão foi recebida com revolta entre membros da Assembléia Popular, ONG que organizou os protestos contra as fábricas. Duas das três pontes que ligam os dois países foram fechadas entre dezembro e março, causando US$ 500 milhões de perdas ao Uruguai.

Ainda não estava definido o ¿plano de batalha¿ para os próximos dias, mas os integrantes da organização prometiam retomar os protestos que provocaram a maior crise Argentina-Uruguai desde 1955.

Um dos protestos deve ocorrer durante a cúpula do Mercosul, na semana que vem, da qual participará o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez. Em Montevidéu, a celebração foi discreta. O governo teme que argentinos voltem a fazer piquetes nas pontes.

CONFLITO Moradores do lado argentino da fronteira dizem que as fábricas podem causar uma catástrofe ambiental, prejudicando a saúde da população, a piscicultura, a agricultura e o turismo.

No país vizinho, a preocupação com a poluição foi ultrapassada pelo sonho de um futuro próspero. Os uruguaios da cidade de Fray Bentos garantem que fábricas não poluirão e que são cruciais para o país.

A Botnia e a Ence, donas das fábricas, vão investir US$ 1,8 bilhão na região, o equivalente a 13% do PIB uruguaio. A instalação das fábricas estimulou o desembarque de uma terceira empresa, a sueca Stora Enso, autorizada pelo governo, na quarta-feira, a instalar uma fábrica de celulose à beira do Rio Negro, um afluente do Rio Uruguai.

¿Não vamos desistir. O mundo precisa saber que Gualeguaychú persistirá¿, afirmou Evangelina Carrozzo, que em maio foi alvo da atenção de chefes de Estado que participavam da Cúpula da União Européia-América Latina-Caribe, em Viena, ao aparecer, de biquíni, com um cartaz que dizia: ¿Não às fábricas de celulose¿.