Título: Novo golpe da Fenaj
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Na lista de projetos que o Senado aprovou a "toque de caixa" com o objetivo de descongestionar a pauta e liberar seus integrantes para fazer campanha eleitoral, um dos mais polêmicos é o que amplia as "atividades privativas" dos jornalistas. Concebido a pretexto de redefinir as funções da carreira e ampliar a exigência do diploma de jornalista para ingresso na profissão, o projeto - que surpreendentemente passou até agora despercebido da imprensa - foi apresentado pelo deputado Pastor Amarildo (PSC-TO), a pedido da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), e saiu da Câmara praticamente sem emendas e discussões.

A entidade é a mesma que, há dois anos, levou o então ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, com apoio do então chefe da Casa Civil, José Dirceu, a enviar ao Congresso o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), atribuindo-lhe a prerrogativa de "orientar, disciplinar e fiscalizar" a atividade jornalística no País. Entre as competências atribuídas a esse órgão corporativo, destacavam-se a definição de quem estaria habilitado para exercer o jornalismo, a emissão de carteira de trabalho para funcionários dos veículos de comunicação e a aplicação de sanções por "comportamento inadequado" que variavam de simples advertência até a cassação de registro profissional.

Por entregar ao CFJ o controle absoluto de uma atividade em cuja essência estão as liberdades de expressão e de informação asseguradas pela Constituição, o projeto era tão autoritário e foi objeto de críticas tão contundentes que não restou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva outra saída a não ser ordenar sua retirada do Congresso. Como o lobo perde o pêlo, mas não a manha, o projeto apresentado pelo deputado Pastor Amarildo a pedido da Fenaj corresponde a uma parte da proposta de criação do CFJ em sua versão original.

Trata-se da parte relativa à ampliação da reserva de mercado de trabalho no setor de comunicações. Concebido com o objetivo de aumentar o alcance do Decreto-Lei 972, que institucionalizou a profissão de jornalista e foi editado pela Junta Militar em outubro de 1969, quando o Congresso estava fechado e as liberdades fundamentais tinham sido suprimidas pelo famigerado Ato Institucional nº 5, o projeto aprovado pelo Senado, entre outras inovações, estende a exigência de diploma de curso superior de jornalismo para o exercício de funções específicas de coordenador de pesquisa, coordenador de imagens, comentarista, ilustrador, chargista e "produtor" de jornalismo, este último definido como "o profissional que apura as notícias, agenda entrevistas e elabora textos jornalísticos de apoio ao trabalho de reportagem".

O projeto abarca todas as formas de noticiário veiculadas pela internet e contempla funções surgidas com o advento de novas tecnologias, como é o caso do "processador" de texto, definido como "o profissional encarregado da elaboração de informação jornalística por meios eletrônicos de impressão, reprodução de fac-símiles ou assemelhados, quer para a pesquisa em arquivos eletrônicos ou não, quer para a divulgação por quaisquer meios".

Além disso, o projeto inclui no elenco das "atividades privativas" do jornalista a figura do assessor de imprensa e interfere na autonomia das instituições de ensino superior, exige que professores de disciplinas teóricas e práticas de jornalismo tenham diploma de jornalista. Com isso, economistas, diplomatas e cientistas políticos não mais poderão ensinar economia, teoria política e relações internacionais nos cursos de jornalismo. Antigos jogadores da seleção brasileira ficam proibidos de atuar como comentaristas em jogos de futebol. E economistas e pedagogos respeitados, como Cláudio Moura Castro e Maílson da Nóbrega, não podem ter colunas nos jornais, o que inviabiliza a informação especializada.

Prendendo o jornalismo na camisa-de-força do corporativismo da Fenaj, o projeto aprovado pelo Senado inviabiliza a transmissão da informação especializada, compromete a criatividade das redações, interfere na autonomia das empresas de comunicação e burocratiza a imprensa com base numa legislação cuja espinha dorsal é um decreto da ditadura. É por isso que Lula tem de vetá-lo, agindo com a mesma determinação com que mandou engavetar o projeto de criação do CFJ.