Título: Após 50 anos, bororos reiniciam luta pela terra
Autor: Ricardo Brandt
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/07/2006, Nacional, p. A10

Expulsos por invasores brancos há 50 anos da Reserva Jarudóri, localizada em Poxoréu, a 250 quilômetros de Cuiabá, sul de Mato Grosso, famílias de índios bororos iniciaram no mês passado um movimento para tentar recuperar uma área de 4,7 mil hectares. A estratégia ousada é outro capítulo na história da etnia em extinção no Brasil Central em mais de 7 mil anos de existência, segundo historiadores e antropólogos.

A tentativa do grupo quase dizimado por guerras, epidemias e fome encontra resistência, pois a área é ocupada por 2,6 mil invasores desde 1958, com o aval do poder público. As terras que pertencem à União foram vendidas ilegalmente para posseiros que criaram o Distrito de Jarudore, numa área de 142 mil hectares, a 5 quilômetros da cidade.

A reserva dos índios, que corresponde a apenas 3,3% do total, foi engolida. No local, existem 218 imóveis entre residências, comércio e prédios públicos. A área foi demarcada para os índios pela primeira vez em 1912, pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Em seguida, a União homologou o território. No entanto, o ex-governador de Mato Grosso Pedro Pedrossian distribuiu títulos para posseiros das terras que não pertencem ao Estado.

O procurador da República Mário Lúcio Avelar vai ingressar com uma ação civil pública pedindo a reintegração de posse. Ele ameaça recorrer à Corte Internacional para manter as terras em poder dos índios - a área demarcada de 100 mil hectares foi reduzida para 4,7 mil hectares. "É dever do Estado recuperar as terras dos bororos e indenizar integralmente os não-índios", disse. "Há ausência da Funai e conivência dos governantes."

A insatisfação dos índios bororos gera um clima de medo e apreensão na região. Eles ameaçam tomar maquinários da prefeitura de Poxoréu enquanto a Justiça não devolve as terras demarcadas. O líder da nação bororo, Agnaldo Komaekuru, e a líder do movimento de retomada das terras, a cacique Maria Aparecida Toro Ekureudo, estão dispostos a partir para o confronto com armas caso seja necessário. "Estamos cansados de esperar pelas autoridades", disse Agnaldo.

A população bororo, que no século 19 era de cerca de 10 mil índios, se reduziu a 1.024 habitantes distribuídos em 6 áreas do Estado, conforme dados do IBGE, Missão Salesiana e Funai. "Queremos juntar o nosso povo que ainda resta e queremos ficar na terra que tudo mundo sabe que é nossa", afirmou Maria Aparecida.

A subprocuradora Débora Duprat, coordenadora da 6ª câmara do Ministério Público Federal, classificou como um "clássico de genocídio" o drama dos bororos, que têm contato com não-índios há 300 anos. "Genocídio não é só a morte física, é também expropriar a terra, envenenar ou contaminar a água, é introduzir o álcool e depois denegrir a imagem dos povos indígenas porque bebem." Ela não poupou críticas à Funai. "Para se resolver a questão dos bororos basta vencer o preconceito e interesses políticos espúrios", disse Débora Duprat. Procurada pelo Estado, a direção da Funai não quis responder às críticas do MP.