Título: Crise no agronegócio e câmbio afetam otimismo das empresas
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/07/2006, Economia & Negócios, p. B3

A crise enfrentada pelo agronegócio e pelo setor exportador abalou o otimismo dos empresários em relação ao desempenho do seu próprio negócio para este ano, apesar de eles continuarem avaliando positivamente o quadro macroeconômico.

Pesquisa nacional com 972 empresários da indústria, comércio, serviços e dos bancos, realizada em junho pela Serasa, revela que 54% apostam no crescimento das vendas para este ano. A mesma enquete feita em março indicava que 65% dos empresários acreditavam no crescimento das vendas para 2006. O recuo no período foi de 11 pontos porcentuais.

"Eles apostavam numa queda mais acentuada dos juros e na recuperação mais rápida do câmbio para voltar a aquecer as exportações e o agronegócio", diz o assessor econômico da Serasa, Carlos Henrique de Almeida, responsável pela pesquisa.

Já os resultados dos indicadores macroeconômicos apontam uma melhora das expectativas. Segundo a pesquisa, aumentou de 49%, em março, para 57%, em junho, a fatia dos empresários que acreditam no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano.

Também melhoraram as expectativas quanto à taxa de câmbio. Em março, 42% dos entrevistados acreditavam na desvalorização do real em 2006, índice que aumentou para 49% este ano.

Com relação à taxa básica de juros, a Selic, aumentou de 29%, em março, para 37%, em junho, o número de empresários que acham que a taxa irá ser mantida este ano. No mesmo período, diminuiu de 21% para 15% a parcela daqueles que apostam no aumento dos juros.

INCOERÊNCIA O economista diz que não existe incoerência entre os resultados macro e microeconômicos da pesquisa. Ele argumenta que as empresas do agronegócio e as exportadoras têm peso significativo no quesito faturamento.

O abalo do otimismo na perspectiva de faturamento das empresas fica nítido quando se avaliam os resultados por região, observa Almeida. No Centro-Oeste, por exemplo, região essencialmente agroexportadora, 24% dos empresários acreditam que o faturamento irá cair neste ano, enquanto no Sul, 18% apostam na queda. Os empresários dessas duas regiões são os que estão com expectativas mais pessimistas.

"O câmbio abaixo de R$ 3 é um obstáculo às exportações de calçados", afirma o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Élcio Jacometti.

As exportações representam entre 20% a 30% dos calçados fabricados no País. Entre janeiro e maio deste ano, o setor exportou 83,6 milhões de pares de sapatos, um volume 8% menor na comparação com o mesmo período de 2005. De acordo com a Abicalçados, mais de 60 empresas do setor, a maioria de pequeno e médio porte que prestavam serviços terceirizados, fecharam as portas em 2005 por causa da queda nos embarques.

A indústria de defensivos agrícolas é outro segmento com perspectiva desfavorável de vendas em razão da crise setorial do agronegócio. De janeiro a maio, por exemplo, o faturamento em dólar do setor caiu 18% na comparação com os mesmos meses do ano passado, segundo o presidente da Associação de Defesa Vegetal (Andef), Cristiano Walter Simon. Hoje a dívida dos agricultores com a indústria de defensivos gira em torno de R$ 5 bilhões. "A indústria vai ser mais exigente na aprovação da venda para a próxima safra para controlar a inadimplência."

INADIMPLÊNCIA A perspectiva de aumento da inadimplência em geral por causa da maior oferta de crédito é outro fator que explica a cautela dos empresários da indústria, do comércio, dos serviços e de bancos quanto ao futuro dos negócios.

De acordo com a pesquisa, 74% dos empresários consultados acham que o endividamento da população vai aumentar este ano, com destaque para as regiões agroexportadoras, como o Centro-Oeste (81%) e o Sul (77%), especialmente nas grandes companhias.

De carona no crescimento no endividamento, a inadimplência em geral deve aumentar, pressupõem os empresários. A enquete mostra que 60% deles acreditam que o nível de calote dos brasileiros deve aumentar neste ano e apenas 13% apostam num recuo. Na pesquisa de março, esses indicadores eram 53% e 18%, respectivamente.

Um aspecto interessante, diz Almeida, é que os empresários acham que o calote em geral deve crescer, mas não a do próprio negócio. Neste quesito, 66% acreditam na estabilidade. "Individualmente, o empresário acha que o telhado de vidro é o do vizinho e que ele concedeu crédito da melhor forma."