Título: Gestão de florestas posta em questão
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/07/2006, Espaço Aberto, p. A2

A cada dia mais preocupado com o que considera as mais graves questões para a humanidade - mudanças climáticas e insustentabilidade dos padrões globais de produção e consumo, além da capacidade de reposição do planeta -, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, disse na semana passada, durante um fórum na Suécia: "Vocês , cidadãos, têm poder (para promover mudanças), com o seu voto. E também como consumidores têm poder, através de suas decisões sobre o que comprar." São afirmações que têm que ver com a questão comentada neste espaço no último artigo: o caminho é tentar mudar imediatamente as políticas públicas ou será necessário que antes a sociedade seja mais informada, para exigir essas transformações?

O tema continua oportuno quando se lembra que ainda há poucos dias os representantes de ONGs e movimentos sociais se retiraram de uma consulta pública sobre o Plano Amazônia Sustentável, por entenderem que ele "não oferece perspectivas concretas de inovação, carece de qualquer recurso ou instrumento de implementação e ainda está na contramão, do ponto de vista conceitual", com verbas de R$ 32 bilhões para grandes investimentos do governo federal na região ("subsídios para o agronegócio, grandes hidrelétricas, pavimentação de rodovias"). Enquanto isso, "as linhas temáticas originais (gestão ambiental e ordenamento territorial, produção sustentável com tecnologia avançada, inclusão social e cidadania, infra-estrutura para o desenvolvimento) permanecem desprovidas de meios e condições".

Nos mesmos dias, como se registrou aqui na semana passada, algumas organizações, entre elas o Greenpeace, acusaram o governo federal de estar "repassando o mico" para os Estados amazônicos, ao transferir para estes a competência para licenciamento ambiental (e desmatamentos) e emissão de guias para transporte de madeira. Acordos nessa direção abrangem os Estados de Mato Grosso e Pará (campeões do desmatamento), Amazonas, Acre e Rondônia. De fato, é ilusório pensar que por esse caminho se suprirá a atual falta de estrutura para controle do desmatamento. Ao contrário, além das dificuldades atuais, a elas se acrescentará a notória vulnerabilidade das administrações estaduais a pressões políticas e empresariais. Uma das evidências nessa direção está na ação civil pública ajuizada pelo procurador Mário Lúcio Avelar, de Mato Grosso, pedindo a decretação da inconstitucionalidade do Código Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso, por "permitir brechas que desobedecem a lei federal" - todas elas facilitando o desmatamento.

É provável que se argumente que a delegação de competência aos Estados para licenciamentos em propriedades privadas está prevista na Lei de Gestão de Florestas Públicas, aprovada recentemente pelo Congresso - e que permite conceder a empresas privadas a gestão, com "manejo sustentável", de extensas áreas florestais na Amazônia. Mas a própria lei continua gerando controvérsia, no Parlamento e fora dele. No Congresso, o senador Arthur Virgílio tenta restabelecer dispositivo, excluído por veto presidencial, que exigia aprovação prévia do Congresso para concessões superiores a 2.500 hectares (segundo ele, exigência da Constituição). Fora do Congresso, continua acesa a discussão em torno do próprio caminho escolhido - conceder a gestão de florestas.

Ainda no começo de junho, em O Eco, Maria Tereza Jorge Pádua (fundadora da Funatura, com passagens pelo Ministério do Meio Ambiente e pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo) comentou recente relatório da própria Organização Internacional de Madeiras Tropicais (ITTO). Esse documento, em seu balanço sobre a situação das florestas tropicais em 33 países da Ásia, América Latina e África, mostra que 95% das florestas tropicais no mundo estão ameaçadas. E que em apenas 7% dos 353 milhões de hectares nos quais estaria em prática o "manejo sustentável" isso ocorre de maneira satisfatória. Na América Latina e no Caribe, dos 31 milhões de hectares em que teoricamente estaria havendo "manejo sustentável", apenas 6,5 milhões de hectares "estariam submetidos a algum tipo de manejo".

Essas mesmas questões foram comentadas há pouco pela revista New Scientist (3/6), onde se diz, citando o presidente da ITTO, que "a segurança da maior parte das florestas tropicais continua sob graves ameaças", já que, depois de 20 anos de experiências na direção do "manejo sustentável", apenas 3% "têm padrões de manejo adequados". Por essa e outras, como lembra Maria Tereza Jorge Pádua, o mundo continua perdendo 12 milhões de hectares de florestas tropicais por ano.

Segundo a New Scientist, o problema principal está em que a retirada ilegal da floresta e a conversão da área para a agricultura ou a pecuária são muito mais rentáveis que o "manejo" - exatamente uma das questões levantadas por especialistas em duas edições recentes da revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Se não se conseguir coibir o desmatamento ilegal, o "manejo sustentável" não será econômico. Mas essa, como numerosas outras questões ali levantadas pelos cientistas - e comentadas neste espaço, na ocasião -, continua à espera de respostas dos defensores da Lei de Gestão de Florestas Públicas. Como continua à espera a proposta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de moratória no desmatamento na Amazônia - para manter o "laboratório em pé da floresta" - e, simultaneamente, forte investimento em ciência na região voltada para a biodiversidade.

Por enquanto, como lembram estudos do próprio Ministério do Meio Ambiente, o caminho mais eficaz para a conservação continua a ser o das áreas indígenas e das reservas extrativistas - caminho que a Rainforest Foundation endossa na revista inglesa. Não o "manejo".

Washington Novaes é jornalista

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