Título: López Obrador lidera a contagem oficial
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/07/2006, Internacional, p. A14
Logo após as eleições presidenciais de domingo, no México, os mesários das seções eleitorais fizeram a contagem dos votos e repassaram os resultados para funcionários do Instituto Federal Eleitoral (IFE). Com base nesse procedimento, que é chamado de contagem preliminar, as autoridades eleitorais publicaram dados na internet, que colocavam o candidato conservador Felipe Calderón com uma vantagem de 257.532 votos, ou 0,64 ponto percentual, sobre o candidato esquerdista Andrés Manuel López Obrador, que nunca esteve à frente na apuração.
A partir de ontem, as urnas de todo o país começaram a ser abertas, as minutas, lidas e, nos casos de informações discrepantes, que são excepcionais, os votos passaram a ser recontados, num processo chamado de oficial. Não se trata de uma complementação da apuração anterior, mas, na verdade, de uma nova tabulação dos votos. Nesse novo processo, López Obrador, com um total de 63,07% seções apuradas, tinha 37,07% dos votos e Calderón, 34,52%.
Analistas ouvidos pelo Estado argumentam que dificilmente a apuração oficial resultará em algo diferente da contagem preliminar. A vantagem atual de López Obrador, do Partido da Revolucionário Democrático (PRD), se deve às regiões onde o trabalho andou mais rápido ontem.
Antes do anúncio que o colocou à frente de Calderón pela primeira vez, López Obrador acusou o IFE de ter ¿manipulado¿ a contagem preliminar e voltou a exigir que a apuração oficial, iniciada ontem nas sedes dos trezentos distritos eleitorais do país, se dê pela recontagem de todas as urnas, ¿voto por voto¿.
Falando pela manhã numa entrevista coletiva na sede de sua campanha, na colônia Roma, o ex-prefeito da Cidade do México renovou seu ataque depois que o IFE admitiu, na noite de terça-feira, a inclusão na contagem preliminar de cerca de 2,5 milhões de votos que haviam sido segregados num ¿arquivo de anomalias¿. Esses votos tinham sido excluídos seguindo o acordo feito em março com todos os partidos políticos sobre o tratamento de atas eleitorais que tivessem problemas. Sem considerá-los, a vantagem de Calderón, do Partido de Ação Nacional (PAN), o mesmo de Fox, era de 402.708 votos. Com eles, Calderón permanecia na frente, mas com apenas 251 mil votos.
Como o IFE não dera qualquer explicação ao público sobre a existência do ¿arquivo de anomalias¿ e se limitara a anunciar o encerramento da apuração preliminar, na noite de segunda-feira, faltando apenas 1,5% das urnas, ou cerca de 680 mil votos, para serem apuradas, a súbita revelação oficial sobre a existência de 2,5 milhões soou como uma confirmação da denúncia do ¿desaparecimento de 3 milhões de votos¿ que López Obrador fizera um dia antes e complicou o panorama pós-eleitoral.
¿Curiosamente, os votos que alguns alegam terem desaparecidos foram encontrados no IFE, onde os partidos políticos sabiam que eles estavam¿, ironizou José Woldenberg, ex-presidente do instituto eleitoral. Ele reconheceu, no entanto, o equívoco de comunicação cometido pelo IFE reduziu a transparência do processo de apuração e contribuiu para criar um clima de maior tensão e incerteza que López Obrador certamente explorará nos próximos dias e semanas para tentar reverter o resultado das urnas.
Ontem, ele lançou mais uma acusação. Disse que em cerca de 50 mil urnas, ou pouco menos da metade do total, o número de sufrágios depositados para presidente superou o dos eleitores inscritos. Antes mesmo da eleição, o líder oposicionista já havia dado repetidas indicações de que não aceitaria um derrota por margem estreita e pediria a impugnação da eleição.
¿É improvável que ele consiga isso, como é improvável, mas não impossível, que a apuração oficial das atas altere o resultado que favorece Calderón¿, disse o presidente do Conselho Mexicano de Comércio Exterior e ex-vice-chanceler, Andrés Rosental. ¿Os mexicanos se comportaram de forma ordeira e pacífica em todo esse processo e creio que não há clima no país para se tentar resolver a disputa fora do que está previsto na lei¿. Segundo uma pesquisa do Instituto Zogby, de fato não existe ânimo entre os mexicanos para tentar resolver a eleição nas ruas. Dois terços das pessoas ouvidas disseram que não participariam de protestos. Isso se compara aos 30% - um pouco menos do que a votação que López Obrador obteve - que se manifestaram dispostos a seguir uma ordem de mobilização do candidato perredista.
López Obrador ontem pediu a seus seguidores que ¿defendam a vontade dos cidadãos de forma pacífica¿, e disse que se comportará com ¿responsabilidade e prudência¿ nos tensos dias à frente. Ele evitou usar a palavra ¿fraude¿ para caracterizar o escorregão do IFE e deixou passar sem resposta uma pergunta sobre se o resultado da eleição foi orquestrada pelo estado mexicano para garantir a eleição do candidato do PAN. Na véspera, porém, membros do comando de sua campanha disseram a representantes das missões internacionais de observação eleitoral, que permanecem na capital mexicana, que uma recusa do IFE de contar novamente todos os votos poderá ter ¿conseqüências trágicas¿.
Para López Obrador, a recontagem se justifica porque ¿houve manipulação da apuração preliminar pelo IFE, e isso nós podemos demonstrar, temos todos os elementos, há provas e coisas de senso comum¿. Uma destas, segundo ele, é o fato de a computação dos 2,5 milhões de votos que estavam segredados terem favorecido desproporcionalmente sua candidatura.
O aspecto mais lamentável do caso do ¿arquivo de anomalias¿ é que se o IFE tivesse seguido suas próprias regras sobre a transparência do processo e informado o público desde o início sobre a existência dos 2,5 milhões de votos teria provavelmente reforçado sua credibilidade, já que a inclusão desses sufrágios na contagem preliminar reduziu a vantagem de Calderón sobre seu principal rival para a faixa de 0,6% e confirmou o motivo pelo qual o instituto eleitoral não anunciou, na noite de domingo, uma tendência definitiva da votação ao final da ¿contagem rápida¿ feita com base em uma amostragem nacional de mais de 7.600 seções eleitorais. Pelas regras, o IFE só poderia ter projetado um vencedor, com base nessa contagem, se a diferença fosse superior a 0,6%.