Título: 'Chávez eleva a tensão no Mercosul'
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/07/2006, Economia & Negócios, p. B6

A entrada da Venezuela no Mercosul é um lance muito arriscado da política externa brasileira, advertiram ontem especialistas em América Latina baseados na Europa. O bloco sul-americano que, segundo eles, vem enfrentando nos últimos anos uma crise interna, deverá ser palco de maior tensão política com a inclusão do tom ideológico-nacionalista e anti-Estados Unidos do presidente venezuelano, Hugo Chávez.

No exterior, o Mercosul corre o risco de perder ainda mais credibilidade, dificultando as negociações de acordos comerciais com a União Européia e os Estados Unidos, por exemplo, que estão paralisadas. Além disso, com os bolsos cheios de petrodólares, Chávez poderá alterar o equilíbrio político dentro do bloco, reduzindo a influência de Brasília.

"Há uma aposta brasileira na tese de que, com a entrada da Venezuela no Mercosul, Chávez poderá ser neutralizado e a integração na região será intensificada", disse, ao Estado, Alfredo Valadão, chefe da cadeira de Mercosul do Instituto de Estudos Políticos de Paris. "Mas é uma aposta arriscada, pois Chávez, com seus petrodólares, é difícil de ser controlado e isso criará tensões inevitáveis que poderão enfraquecer ainda mais o Mercosul no exterior."

Para Francisco Panizza, professor da universidade britânica London School of Economics, a politização do Mercosul é preocupante. "O projeto do Mercosul, ao ser criado, é que buscaria um regionalismo aberto, oposto ao tom nacionalista e antiglobalização defendido por Chávez", disse Panizza. "Eu não tenho certeza se esse projeto poderá ser continuado a partir de agora."

TENSÃO Segundo os analistas, o discurso antiimperialismo de Chávez deve criar maior tensão dentro do bloco. "Por exemplo, os ataques aos Estados Unidos desferidos por Chávez vão pôr numa situação difícil os outros países que não concordam com essa posição", disse Valadão. "Isso poderá afetar de certa maneira a credibilidade do Brasil como interlocutor do bloco."

Outro ponto sensível é o do balanço de poder. Uma maior aproximação da Venezuela com a Argentina de Néstor Kirchner poderia pôr o governo brasileiro na defensiva. Chávez criticou recentemente a negligência com que, segundo ele, Uruguai e Paraguai são tratados dentro do Mercosul.

Segundo os analistas, está sendo colocada dentro do Mercosul uma variável no equilíbrio de poderes que pode causar mais instabilidade.

Além disso, acrescenta Valadão, as negociações comerciais serão dificultadas. "A Venezuela é protecionista em termos agrícolas", disse. "Como, então, o Mercosul vai negociar de forma unida um acordo comercial, por exemplo, com a União Européia? Vai ser difícil."

Valadão e Panizza observaram que uma meta central de Brasília é reforçar a integração regional com a ampliação do Mercosul. Mas o Pacto Andino, com a saída da Venezuela - e a possibilidade de a Bolívia seguir o mesmo caminho - mergulhou numa séria crise, que é nociva aos objetivos brasileiros na região. "Talvez teria sido mais prudente reforçar o Mercosul antes de acelerar a sua expansão", disse Panizza.

O especialista observa, no entanto, que a entrada da Venezuela poderá causar alguns resultados econômicos para os parceiros do Mercosul, por meio de um maior comércio regional.

"Mas será preciso ver se isso será capaz de pender o balanço da entrada da Venezuela para o lado favorável ao bloco", disse. "Por enquanto, predomina a imagem de que o Mercosul está mudando, e não para melhor."