Título: Lula a Evo: preço do gás não pode afetar diálogo
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/07/2006, Economia & Negócios, p. B8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se a portas fechadas com seu colega boliviano Evo Morales, na noite de terça-feira, após a assinatura do protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul. Longe dos holofotes do Teatro Teresa Carreño, onde foi realizada a solenidade, Lula conversou por meia hora com Evo. Disse que o Brasil pretende retomar a "agenda positiva" com a Bolívia, mas insistiu que a aliança não pode ser contaminada pela negociação em torno do gás natural.

Lula procurou amenizar as divergências motivadas pela tentativa boliviana de politizar o debate, exigindo antes de mais nada o reajuste do preço do gás fornecido ao Brasil. Diplomático, pediu paciência para que seja formada uma "parceria mais efetiva". "Isso é que nem casamento: demora, mas o que queremos é que seja duradouro", comparou o presidente, reeditando o estilo paz e amor de candidato à reeleição.

Com o argumento de que "ninguém vai importar ou vender ideologia", Lula repetiu o bordão da "convivência democrática na adversidade". "Não temos que discutir apenas os problemas do gás, até porque o contrato (com a Petrobrás) já prevê isso", ponderou. "Os países (mais pobres) precisam de muita coisa e, se nós quisermos paz na Bolívia, no Uruguai e no Paraguai, temos de ajudar. Não tem como escapar." Adotando o mesmo tom conciliador, Evo disse ter ficado "muito surpreso" com a solidariedade. Observou, no entanto, que sua decisão de nacionalizar as reservas de gás, em maio, não foi tomada para provocar conflito com a Petrobrás nem com o governo brasileiro. "Gás é um patrimônio nacional. Isso é uma questão de princípio", rebateu.

Lula seguiu o exemplo do líder venezuelano Hugo Chávez e também convidou Evo a ingressar no Mercosul como sócio pleno. "Seguiremos conversando e teremos uma reunião em Córdoba (Argentina), nos dias 20 e 21", respondeu Evo, numa referência ao próximo encontro de cúpula do Mercosul.

Lula lembrou que na lista de projetos de parceria com a Bolívia está a construção de "algumas carreteras (rodovias)", um corredor ligando La Paz a Pando, no norte da Bolívia. "Queremos integrar La Paz, Beni e Pando com esse corredor", contou.

De concreto, Lula e Evo combinaram de formar uma comissão entre os dois países para acertar os projetos de investimentos. Uma equipe técnica brasileira estará hoje em La Paz para verificar que tipo de acordo é possível sair do papel.

Outro assunto que entrará na pauta de negociações diz respeito à situação ilegal de brasileiros que vivem na Bolívia. Embalado por uma popularidade de aproximadamente 80%, Evo afirmou não ter preocupação com o fato de departamentos como Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando terem votado maciçamente contra ele, apoiando a proposta do "sim" no referendo de domingo sobre a autonomia administrativa. "O 'não' ganhou com 56% e, além disso, obtivemos maioria absoluta na Assembléia Constituinte", insistiu o boliviano, numa alusão à conquista de 134 das 255 cadeiras em disputa.