Título: Cientista político acha que caso vai parar no Supremo
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2006, Nacional, p. A7

A cláusula de barreira é um bom princípio, mas o destino que os legisladores reservaram aos partidos que não conseguirem superá-la é um aleijão, alerta o cientista político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj). Ele argumenta que, tal como está, a regra vai criar deputados de segunda categoria, com dois desdobramentos indesejáveis - um é que os partidos alijados do Congresso vão iniciar intermináveis batalhas jurídicas para se fazerem representados; outro é que, na prática, haverá uma migração artificial de parlamentares para as legendas sobreviventes.

Nicolau defende a tese de que o cumprimento do mandato parlamentar pressupõe a inteireza de ação: não pode haver um deputado apto a deliberar em plenário, mas impedido de participar de uma comissão técnica. "É uma restrição bizarra", adverte. Para ele, ou se cassa o direito de um deputado estar no Congresso ou se dá poder igual a todos. Ressalva que é apenas um cientista político, mas bate de frente com os pareceres dos juristas. Segundo ele, não há nenhuma lei ou regimento especificando o que é "funcionamento parlamentar".

CONTROVÉRSIA

O cientista político aposta em que os afastados pela cláusula de barreira contestarão a lei que impede o "funcionamento parlamentar" de um partido. Para ele, esse é o germe de uma controvérsia jurídica que, prevê, vai parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele sugere que a lei brasileira deveria seguir a alemã, que simplesmente anula os votos dos partidos que não atendem à exigência do porcentual mínimo. "Não é possível ter, no mesmo parlamento, deputados de duas categorias", argumenta.

Ele observa que outros países adotaram a cláusula de desempenho dos partidos - como a Alemanha -, mas resolveram desde o início o destino dos deputados que alcançam votação suficiente para serem eleitos sem que seu partido atinja o porcentual obrigatório. "Os votos desses partidos são anulados", explica. "E os deputados não são empossados." A lei brasileira adotou um meio-termo: os partidos ficam fora do Congresso e os deputados, dentro.

RADICAIS

Além disso, as legendas que são necessariamente minoritárias por defenderem uma ideologia radical vão ser empurradas para fora do sistema político tradicional. Ele se pergunta o que será, por exemplo, do PSOL - que dificilmente atingirá os dois pontos porcentuais da cláusula de barreira, mas tem uma candidata à Presidência com intenção de voto em torno de 10%. A esquerda (PSOL, PSTU, PCO e todas as outras pequenas siglas de extrema-esquerda) estarão fora do espectro político-parlamentar. "Para onde irão?", indaga.

Por outro lado, o cientista político adverte para o aumento da fragmentação interna das legendas sobreviventes, que receberão, numa acomodação forçada, a colcha de retalhos dos deputados-zumbis cujos partidos perderam o direito de ter funcionamento parlamentar. Essa fragmentação, adverte Nicolau, ocorreu no Partido Liberal japonês, no Partido Peronista argentino e na Democracia Cristã italiana. Nos três casos, deram frutos incômodos.