Título: Os obstáculos ao limite de gastos
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2006, Economia & Negócios, p. B2

O governo utilizou um artifício - o do crescimento elevado da economia - para disfarçar, na proposta orçamentária enviada ao Congresso na semana passada, a forte elevação dos gastos projetada para 2007. A proposta foi elaborada com o pressuposto de que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 4,75% no próximo ano. Com essa expansão da economia fica fácil mostrar que as despesas não estão crescendo tanto assim em proporção do PIB. Por esse parâmetro, as despesas correntes primárias (que não incluem o pagamento de juros das dívidas públicas) crescerão "apenas" 0,2% do PIB em relação a este ano.

Mas se a economia crescer 3,5% no próximo ano, como estima a maioria dos consultores do mercado, a expansão das despesas correntes primárias será de 0,4% do PIB. Ou seja, o forte aumento dos gastos fica muito mais perceptível. O artifício do PIB reduz o impacto negativo do anúncio da proposta orçamentária, mas não altera a realidade das contas que o futuro governo encontrará a partir de janeiro.

Um outro artifício seria elevar a estimativa de inflação para 2007. Com inflação maior, o PIB nominal também seria mais alto e, assim, as despesas em proporção do PIB seriam menores. Mas o governo não pode trilhar esse caminho, pois a meta oficial é de que o IPCA no próximo ano ficará em 4,5%. Nada indica que uma inflação mais alta e um crescimento da economia de 4,75% estejam no cenário mais provável para 2007.

A verdade precisa ser dita: o governo caminhou na direção oposta ao que tinha indicado em abril, quando enviou ao Congresso o projeto de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) para 2007. Naquela época, a equipe econômica propôs uma redução das despesas correntes do próximo ano em 0,1% do PIB em relação às de 2006. A proposta orçamentária para 2007, apresentada na semana passada, sinaliza o contrário: uma forte ampliação dos gastos.

Se a proposta orçamentária for aprovada pelo Congresso e executada pelo futuro governo, as despesas correntes aumentarão acima do crescimento do PIB mais uma vez. Nos últimos dez anos, a regra tem sido essa. Ninguém tem dúvidas, no entanto, de que o Orçamento da União de 2007 será refeito após a posse do novo presidente. Mesmo porque um crescimento tão forte das despesas pressupõe um aumento da mesma magnitude da receita, ou seja, mais uma elevação da carga tributária.

O novo governo terá de avaliar se deseja mais um aumento da carga tributária ou se prefere trilhar o caminho apontado em abril: a redução do ritmo de crescimento das despesas correntes. Esta última alternativa não é simples, como descobriu o governo Lula ao tentar diminuir, sem sucesso, as despesas correntes para 2007 em 0,1% do PIB. A área técnica do governo debateu longamente essa questão e concluiu que um menor ritmo de crescimento das despesas dependerá de condições institucionais adequadas.

Para entender o problema é preciso lembrar que algumas despesas orçamentárias crescem por determinação constitucional ou da legislação infra-constitucional. Este é o caso, por exemplo, das despesas com a saúde, que precisam crescer todo ano no mesmo ritmo do PIB. Nesse quadro institucional, os gastos com saúde não poderão sofrer redução de 0,1% do PIB. O corte terá de ser feito em outras despesas.

A mesma coisa ocorre com as despesas da Previdência Social e dos programas assistenciais, que aumentaram significativamente nos últimos anos, principalmente por causa da elevação do valor do salário mínimo. Há um dispositivo na Constituição que determina que o menor valor dos benefícios previdenciários e assistenciais é o salário mínimo. Como o piso deve subir nos próximos anos, em termos reais, a tendência desses gastos é de crescimento.

Há também questões institucionais delicadas. O Executivo não tem como impor, observaram algumas fontes governamentais, que o Judiciário e o Legislativo reduzam os seus gastos correntes em 0,1% do PIB a cada ano. Em 2007, por exemplo, as despesas do Judiciário com o pagamento de salário vão crescer fortemente. Se a regra de redução de 0,1% do PIB estivesse em vigor, o Executivo teria de cortar em suas despesas um montante que compensasse o aumento dos gastos no Judiciário.

A situação pode ser melhor visualizada na tabela abaixo. As despesas que mais cresceram nos últimos 6 anos foram justamente as transferências de renda às famílias, que abrangem os benefícios previdenciários e assistenciais, e as transferências constitucionais e legais para Estados e municípios, que incluem os repasses para as áreas de saúde e de educação. Os gastos com o custeio da máquina caíram. A tabela não deixa dúvida de que o desafio do próximo governo é reduzir o ritmo de crescimento dos gastos sociais.

É fácil entender as dificuldades políticas dessa estratégia. Os obstáculos ao controle dos gastos, portanto, são bem maiores do que se imagina. Para ser executada, essa estratégia dependerá, principalmente, do empenho do próximo presidente da República, pois nada será feito sem uma grande articulação política que precisa contar até mesmo com o apoio da oposição. A alternativa a isso é o aumento da carga tributária.

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