Título: O Brasil é que precisa surfar para a vitória
Autor: Marco Antonio Rocha
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2006, Economia & Negócios, p. B2

Lula está "surfando para a vitória", disse a revista The Economist na semana passada. A julgar pelos seus últimos discursos e sorrisos, ele não parece ter nenhuma dúvida de que o surfe o levará ao desembarque suave, tranqüilo e preciso na praia do segundo mandato, que almejou desde que tomou posse no primeiro.

Talvez seja o caso, pelo menos, de nos resignarmos e cantarmos, como os americanos nos filmes: "For he's a jolly good fellow, for he's a jolly good fellow, for he's a jolly good fellow (pausa)... Which nobody can deny!" - para um dos brasileiros mais sortudos da sua geração.

Até agora, pelo menos.

É bom dizer até agora porque, como todo surfista sabe, a mais eletrizante onda pode quebrar sem aviso prévio, transformando a gloriosa chegada em cambalhota e mergulho ridículo.

Mas a maré eleitoral está "pra Lula". O que não está tanto "pra Lula" são os ventos que começam a soprar sobre os próximos quatro anos. Parece que, uma vez bem-sucedido - caso seja - no surfe eleitoral, ele vai ter de se embrenhar num cipoal de embaraços políticos, econômicos e administrativos, para não falar dos diplomáticos, de fazer inveja a qualquer campeão de quebra-cabeças.

Fiquemos, por enquanto, nos embaraços econômicos, que, afinal, é do que tratamos nestas páginas. A revista dizia também que a vitória resultaria de uma mistura de "bem-estar com apatia". Bem-estar dos beneficiados pelos programas do governo e dos simpatizantes do presidente e apatia, ou indiferença, por falta de opção, dos que não gostam dele. E também "pelos problemas que Lula não conseguiu resolver ou agravou", como as altas taxas de juros, a insuportável carga tributária de 37% do PIB, o ritmo crescente dos gastos públicos, a propensão a enfrentá-los com mais impostos. E, além de tudo isso, "a corrupção nunca pareceu tão espalhada", diz a Economist. Ao que acrescentaríamos: o crime também...

Por cima da onda eleitoral, onde Lula surfa, há um vento de advertência pouco benigna, soprando do Olimpo do IBGE. É uma instituição que teima em fazer pesquisas de dados e números desconcertantes para os governantes de plantão. Lula deve ter pensado: "Vade retro, bando de chatos!" - diante da divulgação, na semana passada, pelo IBGE, de um crescimento de 0,5% do PIB no segundo trimestre do ano. Muita gente se surpreendeu. Não porque tenha sido exígua essa taxa de crescimento da economia, mas porque foi menor do que a mais pessimista das expectativas, que falava em apenas 0,6%.

Os jornais já explicaram que isso torna inatingível o crescimento de 4% ou 4,5% para este ano, que Lula vive prognosticando em suas falas - com bravatas esquisitas, como aquela de que somente "forças extraterrestres" o impedirão de cumprir promessas de campanha e de governo. E "o compromisso de lealdade aos princípios que nos fizeram chegar à Presidência..." - o que apenas mostra que ele já se vê reeleito.

Assim, recorrendo ainda ao texto da revista, "mais do que saber quem ganhará a eleição, a grande questão é se um segundo mandato de Lula seria mais produtivo do que o primeiro".

O fados parecem se opor a isso, pois a economia, apesar dos festejados superávits primário e em conta corrente, está mais sobre um skate ladeira abaixo do que na montante prancha presidencial. Sim, porque o que não ficou muito claro no noticiário da imprensa sobre o crescimento do PIB - a dinâmica da sua variação - ganhou melhor destaque na análise do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi): é que o crescimento do PIB dos últimos quatro trimestres, comparado com o dos quatro trimestres precedentes (ou seja, o período de quatro trimestres encerrado em 30/6/2006, ante o de quatro trimestres encerrado em 30/6/2005), foi de 1,7% apenas, e vem decrescendo desde um pico de 4,9% no quarto (IV) trimestre de 2004, como está abaixo:

IV/04 - 4,9%

I/05 - 4,6%

II/05 - 4,4%

III/05- 3,1%

IV/05 - 2,3%

I/ 06 - 2,4%

II/ 06 - 1,7%

O desafio, portanto, para qualquer presidente que esteja preocupado com algo mais do que apenas se reeleger, não é chegar aos 4% de crescimento do PIB neste ano - o que exigiria, como disse Celso Ming na sexta-feira, "padrão de crescimento chinês" neste e no próximo trimestre -, mas, sim, como desacelerar o skate da economia, que, pelo visto, ganha velocidade.

Na semana passada, a Consultoria Tendências promoveu em São Paulo uma espécie de bem-intencionado convescote de ex-ministros da Fazenda, com o propósito, justamente, de oferecer idéias para tirar o Brasil do que torna incerto não apenas o futuro do País, mas a vida presente dos brasileiros. Estavam lá (pela ordem de entrada em cena no palco das perdidas ilusões) Delfim Netto, Mailson da Nóbrega, Pedro Malan, Antonio Palocci. De acordo com o noticiário do evento, os quatro levaram no bolso direito do paletó receitas mais ou menos consensuais para consertação e concertação dos rumos da Nação: autonomia do Banco Central e compromisso com austeridade fiscal de longo prazo; ataque aos déficits da Previdência e ao crescimento dos gastos públicos; aumento dos investimentos públicos; reformas tributária e trabalhista - enfim, aquilo que já se sabe. No bolso esquerdo talvez portassem o elenco nunca revelado de explicações sobre como, nas suas respectivas gestões, contribuíram para o atual estado de coisas e sobre por que não puderam, então, implantar o que todo mundo sabia que precisava ser implantado e que ora recomendam. Mas deixa pra lá. O passado brasileiro não é só imprevisível, como dizia Malan, mas, sobretudo, indecifrável.

No atual rebuliço de incertezas sobre o andar da carruagem da economia internacional e da economia brasileira, uma sugestão talvez útil para os candidatos e particularmente para o presidente Lula, em vista da sua inabalável convicção de vitória, seria reunir os quatro acima mencionados, mais a dupla Mantega-Bernardo, atualmente no comando, e obter deles um programa de governo exeqüível para os próximos quatro anos, que teria sobretudo a vantagem de merecer a credibilidade que não merece o que Lula apresentou.

Assim, talvez fosse possível chegar aos miríficos 4,75% de crescimento do PIB, hipótese sob a qual foi montado o orçamento de 1977, segundo a proposta encaminhada pelo governo ao Congresso, e, também, agüentar o petardo de aumento previsto de gastos correntes, da ordem de 10,2%, muito em oposição ao que propõem as pessoas com um mínimo de bom senso no Brasil, que é a estabilização e gradual redução dos gastos públicos correntes.

*Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marocha @estado.com.br