Título: Ameaças ao rigor fiscal
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Não fosse este um ano eleitoral, o Senado não teria aprovado com tanta rapidez duas resoluções que provocarão o aumento da dívida dos Estados e dos municípios. Uma resolução amplia o prazo para que os Estados e municípios contratem empréstimos no último ano do mandato de governadores e prefeitos. A segunda permite que a dívida ativa consolidada de Estados e municípios seja cedida para instituições financeiras, em troca de empréstimo até o valor da dívida a receber.

Uma parte dos senadores disputará a reeleição, outra concorrerá ao governo estadual e todos têm interesse no pleito, razão pela qual não hesitaram em aprovar essas medidas. A primeira delas, que amplia o prazo para a contratação de dívida, foi aprovada com uma rapidez inédita. Numa única sessão, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado discutiu e aprovou o texto da resolução. No mesmo dia, o projeto foi submetido ao plenário, que o aprovou por unanimidade.

O documento reduz de 180 para 120 dias antes do término do mandato de governadores e prefeitos o período no qual é vedada a contratação de operação de crédito. O prazo anterior estava previsto na Resolução nº 43, de 2001, que fixa os limites e as condições para a dívida dos Estados e dos municípios e se transformou, por isso, em importante instrumento para a consolidação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Embora seu texto se refira a dívidas em geral, a nova resolução do Senado beneficia diretamente governos estaduais interessados em obter autorização para contratação de empréstimos externos. No início do mês, o Senado conseguiu aprovar pedidos de cinco Estados. Mas, por causa do prazo anteriormente fixado, a autorização para quatro outros não seria aprovada neste ano, o que poderia ser explorado eleitoralmente pelas oposições locais. Trata-se, por isso, de uma medida claramente casuísta.

A segunda resolução aprovada pelo Senado, que permite a cessão da dívida ativa consolidada para instituições financeiras privadas, pode ter implicações mais sérias sobre a política fiscal. Tal cessão, reivindicada há tempos por prefeitos, foi proposta pelo senador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) em 2003. A proposta, que ficou conhecida como Projeto de Resolução nº 57, recebeu emendas que a tornaram menos rigorosa para prefeitos e governadores.

O texto original tratava apenas das dívidas dos municípios e limitava a 30% do valor de face dos créditos a antecipação de receita para as prefeituras. Além disso, obrigava os municípios a oferecer, como garantia de pagamento da operação, o comprometimento de seus créditos junto ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

A versão aprovada pelo plenário do Senado no dia 12 estendeu aos Estados e ao Distrito Federal a possibilidade de cessão das dívidas ativas para as instituições financeiras, elevou o total da antecipação da receita para até 100% do valor de face dos créditos a receber e eliminou a necessidade de oferecimento dos recursos dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios como garantia da operação.

Os que defendem a cobrança da dívida ativa de Estados e municípios por instituições privadas argumentam que, por não terem estrutura adequada, muitas prefeituras enfrentam dificuldades para realizar essa tarefa. Quanto ao eventual risco de aumento desordenado do endividamento público, alegam que a nova resolução do Senado diz de maneira explícita que as operações devem respeitar os limites e as condições estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal e nas duas outras resoluções, as de nºs 40 e 43, ambas de 2001, que fixam balizas para a redução da dívida dos Estados e dos municípios.

O risco de crescimento excessivo da dívida pública, porém, é real. A Confederação Nacional dos Municípios estima em R$ 220 bilhões o estoque da dívida ativa de Estados e municípios. É impossível estimar qual parcela desse total pode ser efetivamente cobrada, visto que muitos devedores encerraram suas atividades ou se mudaram para local desconhecido. Mesmo assim, as operações de cessão de dívida poderão ser realizadas pelas prefeituras, que obterão crédito no valor igual à dívida que pretendem receber. Se essa dívida não for paga, o que pode ocorrer com freqüência, como as prefeituras liquidarão seus empréstimos?