Título: Grupos nacionais abrem caminho no mercado chinês
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2006, Economia & Negócios, p. B3

Enquanto muitos calçadistas de Franca (SP) e da região do Vale dos Sinos (RS) são dizimados pela concorrência chinesa, José Rosa Giacometti, dono da Bordallo Artefatos de Couro, olha para a China sem medo. A Bordallo já exportou 6 mil pares de seus calçados Anathomic Gel para o país asiático.

Não são sapatos que podem ser encontrados em qualquer fábrica chinesa: feitos com couro especial e forrados de couro de carneiro, os calçados têm uma borracha em gel na sola que os torna muito confortáveis. Custam US$ 210 nas lojas da China. "É um sapato macio toda vida", diz Giacometti, o 'seu Zuza', que fornece para a cadeia de lojas Richards, no Brasil (onde os sapatos são vendidos por preços a partir de R$ 250) e para a Bostonian, nos EUA (onde saem por US$ 130).

Eles ainda são minoria, mas alguns empresários brasileiros mostram que é possível, sim, competir com os chineses. E não se trata apenas de vender matéria-prima como minério de ferro, soja e celulose. Mesmo nos setores mais ameaçados pela concorrência chinesa, como móveis, calçados, têxteis e máquinas, essas empresas conseguiram ganhar mercado com produtos de maior qualidade, marca ou tecnologia.

"Não estou competindo com o sapato chinês de US$ 8, aquele que tem cheiro forte, não é confortável e o cliente não compra duas vezes", diz Giacometti. Os colegas dele que competem com os chineses no segmento mais popular, de sapatos de couro sintético, esses sim, estão chorando. Em 2005, a importação de sapatos da China cresceu 90,2% em relação ao ano anterior. Lá fora, o País também perde espaço para os chineses. As exportações brasileiras de calçados caíram 8% no semestre, em comparação com os seis primeiros meses de 2005.

Para o economista Antonio Correa de Lacerda, professor do departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC), o único jeito de competir com os chineses é pela diferenciação. "Não adianta tentar concorrer com produtos que são commodities, padrão", diz. Nestes, os chineses são imbatíveis, por causa da escala e da mão-de-obra barata, além do câmbio desvalorizado.

O superávit comercial do Brasil com a China vem caindo ano após ano. Em 2004, foi de US$ 1,72 bilhão; em 2005, de 1,48 bilhão. Neste ano, no primeiro semestre, foi de apenas US$ 165 milhões. "Há chances de o Brasil fechar o ano com déficit com a China", diz Lacerda.

João Saccaro, diretor comercial da Saccaro Móveis, é um sobrevivente da hecatombe chinesa que se abateu sobre a indústria moveleira de Caxias do Sul (RS). O setor sentiu duramente a concorrência dos chineses e a valorização do real, mas a Saccaro Móveis saiu pela tangente. Em primeiro lugar, diz Saccaro, seus móveis não são populares. São sofás que variam de R$ 2 mil a R$ 20 mil e estão à venda em duas lojas em São Paulo, em pontos de mobiliário sofisticado. Para a China, a empresa vai exporta móveis de "design" de jardim, feitos de estruturas de alumínio, que serão vendidos em uma rede de lojas requintadas, com sede em Hong Kong. O primeiro embarque sai neste mês. "Quem vendia para grandes redes européias móveis mais básicos, aqueles que tanto faz fabricar aqui ou na China, está sofrendo", conta Saccaro.

A KaVo, fabricante de equipamentos odontológicos, é outra que conseguiu fincar o pé no competitivo mercado chinês. A KaVo está embarcando no porto de Itajaí, em Santa Catarina, 160 cadeiras de dentista e 3 mil equipamentos de mão rumo a Guanzhou. Este é o segundo embarque. A empresa já vendeu para a China 90 cadeiras, 2,6 mil turbinas de alta rotação e 300 kits acadêmicos (voltados especialmente para dentistas recém-formados). E a KaVo concorre diretamente com fornecedores chineses. "Apesar de sermos 35% mais caros, nossos produtos têm maior qualidade e duram mais", diz Henrique Azevedo, diretor-presidente da KaVo do Brasil.

"O caminho é esse: competir com produtos que tenham inovação, design, funcionalidade", diz Lacerda.